sábado, 29 de dezembro de 2018

The House on the BorderlandThe House on the Borderland by William Hope Hodgson
My rating: 2 of 5 stars

Leitura vale como curiosidade, uma vez que inspirou autores como H. P. Lovecraft e Terry Pratchett. Mistura de ficção científica, horror e fantasia, inovou no que se tornou conhecido como "horror cósmico", muito explorado mais tarde por autores como Clark Ashton Smith e o próprio Lovecraft.
Mas se perde quando o manuscrito encontrado por dois aventureiros em uma remota, esquecida e decadente mansão sai do relato do encontro hostil com seres alienígenas para uma viagem pelo universo. A longa descrição dessa jornada pelo tempo, espaço e diferentes dimensões é, em muitos trechos, um delírio astronômico repetitivo e enfadonho.
Personagens como a irmã e um antigo amor do anônimo autor do manuscrito têm participação dispersa. Enfim, um texto por vezes confuso em que, sem aviso, pode surgir um alienígena, uma mulher ou um animal de estimação ainda não apresentado ao leitor.


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segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

O Dia de ÂngeloO Dia de Ângelo by Frei Betto
My rating: 4 of 5 stars

Um romance quase didático do frade dominicano e escritor conhecido como Frei Betto. Didático porque retrata sob o manto da ficção o que se passava nas prisões políticas durante o período mais duro da ditadura militar no Brasil, nos anos 1970.
Privação da liberdade, tortura, a discordância entre as linhas de atuação da esquerda, a paranoia do anticomunismo, os acertos entre políticos e militares, os grupos econômicos de interesse. Todos esses aspectos são contemplados nesse romance curto publicado em 1987 pela extinta Brasiliense. Merece e precisa ser lido por sua atualidade.


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Crooked HouseCrooked House by Agatha Christie
My rating: 3 of 5 stars

Agatha Christie dizia que "A casa torta" era um de seus romances preferidos. É também o escolhido entre os melhores para alguns fãs da autora. Entre ouras curiosidades, não conta com a participação do célebre detetive belga Hercule Poirot, nem com Miss Marple.
Mas é uma novela policial com as principais características da autora. Um crime, um grupo de pessoas que podem tê-lo cometido. A originalidade, em "A casa torta", fica por conta de a investigação ficar a cargo da Scotland Yard, mas com participação especial de um dos envolvidos na trama - ainda que de forma indireta.
Todo cuidado nesse comentário é pouco para não estragar a surpresa dos leitores na leitura dessa trama, cuja publicação completa 70 anos agora em 2019. Mas praticamente todos que poderiam ter cometido o crime não tinham motivo para isso. Há toques de sarcasmo com relação a comunistas, católicos e mesmo Sherlock Holmes. E a solução do caso é ousada e surpreendente.


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domingo, 16 de dezembro de 2018

The Eggs from Lake Tanganyika: A Short Science Fiction StoryThe Eggs from Lake Tanganyika: A Short Science Fiction Story by Curt Siodmak
My rating: 4 of 5 stars

Um conto de ficção científica cheio de clichês, mas certamente a origem de situações que inspiraram livremente escritores e roteiristas por décadas.
Alemão de nascimento, Curt Siodmak antecipou muito o cine-paranóia que iria se tornar comum na década de 1950. Já em 1926, ano de seu lançamento, "Os ovos do lago Tanganyka" (minha tradução livre) traz o pânico diante a ameaça de moscas gigantescas.
Não é spoiler, elas estão na capa do conto!


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Black Dog: Os Sonhos de Paul NashBlack Dog: Os Sonhos de Paul Nash by Dave McKean
My rating: 5 of 5 stars

Nenhuma guerra é bonita, mas este livro é uma bela obra. Dave McKean parte das pinturas e textos do artista inglês Paul Nash - que esteve no front como soldado e depois oficial artista - para criar um resgate sombrio da Primeira Guerra Mundial. 2018 marca o centenário do fim do conflito.


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sábado, 15 de dezembro de 2018

Um retrato cru e feminino da guerra


Mulheres ucranianas das forças de resistência na antiga União Soviética

Esqueça aquelas imagens de guerra que são mostradas na TV, exibindo explosões a distância, ou sequências estilo videogame em que algum prédio é enquadrado por um avião a grande altitude, e o alvo vira fumaça nas imagens em baixa definição. A guerra revelada por Svetlana Aleksiévitch está mais próxima das campanhas por fundos da Cruz Vermelha ou dos Médicos sem Fronteira.

Mais do que isso, a jornalista e escritora bielorrussa mostra o ponto de vista das mulheres na Segunda Guerra Mundial. Cerca de um milhão delas, muitas ainda adolescentes, foram convocadas ou buscaram alistamento, e não raro brigaram para se juntar ao Exército Vermelho e às forças de resistência contra a invasão do exército nazista.

"Quando as mulheres falam, não aparece nunca, ou quase nunca, aquilo que estamos acostumados a ler e escutar: como umas pessoas heroicamente mataram outras e venceram. Ou perderam. Qual foi a técnica e quais eram os generais. Os relatos femininos são outros e falam de outras coisas. A guerra 'feminina' tem suas próprias cores, cheiros, sua iluminação e seu espaço sentimental. Suas próprias palavras. Nelas, não há heróis nem façanhas incríveis  Há apenas pessoas ocupadas com uma tarefa desumanamente humana", escreve a autora. 

Svetlana, que ainda não havia nascido à época da guerra, intercala reflexões sobre o papel da mulher no conflito, e seu impacto na sociedade em geral. Motivadas por vingança de pais e irmãos mortos logo no começo da invasão e pelo senso de dever de proteger seu país contra os fascistas, como chamam a todo momento, as mulheres eram quase que invariavelmente rejeitadas por superiores, por paternalismo ou por não acreditarem que dariam conta.

Mas elas cumpriram rigorosamente todas as atividades militares, incluindo as que envolvem grande força física, como tirar um homem ferido de dentro de um tanque em chamas e arrastá-lo ao longo de horas pelo campo de batalha. Em outros momentos, confessam sua feminilidade, a saudade de se maquiar, vestir e usar joias.

população civil não foi poupada pela violência da guerra. Atrocidades, tortura e assassinatos afetaram não-militares, incluindo idosos e crianças. Parte das pessoas passou a integrar o movimento de resistência, mantendo vínculos nas cidades e vilarejos. Atuavam como mensageiros, na observação e anotação de movimento e abastecimento de tropas.

Fruto de centenas de entrevistas e anos de trabalho, A guerra não tem rosto de mulher foi publicado em 1983, mas ganhou notoriedade internacional quando a obra de Svetlana ganhou o Nobel de Literatura em 2015. Através da Companhia das Letras, sua obra tornou-se conhecida e sucesso entre os leitores do Brasil.

Não espere um texto primoroso. Svetlana escreve bem, mas o valor de sua obra é o resgate sem filtros da memória dessas muitas mulheres por meio das entrevistas. Os relatos em geral são breves, alguns pouco mais longos, praticamente sem edição da autora, que se limita a incluir alguns pensamentos e impressões.

Mas prepare-se para um livro forte e emocionante. Há sequências duras, em que o que se vê de longe pela TV é mostrado de muito perto. Alguns episódios são especialmente trágicos, e as descrições dos efeitos dos bombardeios e dos combates corpo a corpo são impressionantes. As testemunhas da época descrevem, e quase é possível ouvir o som de ossos quebrando.

Seis histórias menos horríveis que o trânsito

Classic Tales of Horror and SuspenseClassic Tales of Horror and Suspense by Arthur Conan Doyle
My rating: 3 of 5 stars

Seis histórias clássicas de quatro autores consagrados no gênero. A gravação e a qualidade dos narradores são impecáveis, e a sonoplastia é muito rica e adequada ao clima com que se pretende cercar as narrativas.
Os senões são algumas histórias estarem resumidas, e os títulos das novelas e contos não estarem presentes nas gravações.
Bom entretenimento para ouvir no trânsito.


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On the road na França

Satori em ParisSatori em Paris by Jack Kerouac
My rating: 4 of 5 stars

Aos 44 anos de idade, Jack Kerouac viaja a Paris e à Bretanha em busca de suas raízes de família. Lança mão de seu francês da infância em busca de documentos, registros oficiais e no contato com o submundo da França.
Kerouac sendo Kerouac, em um breve, movimentado e divertido diário de viagens: física, turística e de autodescoberta.


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quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Aventura juvenil, sofrimento adulto



Obra de Richard Adams é das mais populares na Inglaterra

É uma história parecida com a do seu conterrâneo J. R. R. Tolkien, autor de O Hobbit e O senhor dos anéis. Richard Adams começou a contar histórias envolvendo coelhos para suas filhas, e por insistência das meninas colocou os relatos no papel para se tornar um dos escritores mais populares da Grã Bretanha.

Sua obra de maior sucesso é Watership Down, traduzida no Brasil para A longa jornada. Um romance de aventura envolvendo um grupo de coelhos, obrigado a abandonar seu habitat pela interferência do homem. Sawyer, um dos sobreviventes do voo Oceanic 815, é visto lendo o livro na praia no seriado Lost. Publicado em 1972, após recusa de várias editoras, teve uma edição lançada no Brasil em 1976. Vai se tornar série na Netflix, em co-produção com a inglesa BBC.

The plague dogs traz o relato em tom de aventura e suspense em que dois cães escapam de um laboratório de pesquisas que usa animais: cães, gatos, macacos, ratos e outros. Como a saga dos coelhos, o livro lançado em 1977 é tratado como uma obra voltada ao leitor jovem, mas se de um lado os animais "falam" e têm atitudes e pensamentos humanos, por outro a narrativa é carregada com passagens de sofrimento animal.

Parte da história é reservada à descrição da indiferença dos pesquisadores à dor e angústia dos animais, em experiências que envolvem privação de alimentos, ar, companhia, administração de substâncias tóxicas, choques elétricos, correntes de ar, cirurgias sem anestesia, mutilações e outros horrores.

Rowf e Snitter são os protagonistas da aventura, que inclui ainda uma raposa batizada de Tod e muitos humanos, um deles repórter sensacionalista. Os fugitivos enfrentam medo, fome e frio, enquanto o cerco para eliminá-los vai se fechando.

Vejo The plague dogs mais como uma história triste do que juvenil. Em longos trechos, no laboratório ou nos campos em que os cães tentam se esconder, a narrativa desperta melancolia. Em outros, o diálogo entre os homens, quando o assunto é a utilização de animais em laboratório, é quase panfletário. No conjunto, leva a uma forte reflexão do uso que fazemos dos animais.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

The Queen: Aretha FranklinThe Queen: Aretha Franklin by Mikal Gilmore
My rating: 4 of 5 stars

Boa biografia resumida de Aretha Franklin. Trechos musicais enriqueceriam muito, já que é um audiolivro.


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A Desobediência Civil e Outros EnsaiosA Desobediência Civil e Outros Ensaios by Henry David Thoreau
My rating: 5 of 5 stars

Um clássico de leitura obrigatória, com textos dedicados à liberdade e ao amor à natureza. Li em uma antiga edição do Círculo do Livro, com tradução, introdução e notas de José Augusto Dummond e prefacio de Fernando Gabeira. Pena que seja preciso garimpar em sebos e diferentes editoras para ter acesso parcial, em português, à obra desse autor essencial.


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domingo, 14 de outubro de 2018

Conan Doyle perdido no vale do terror

Sherlock Holmes é o caso típico do personagem que ficou maior do que seu criador

Como outras obras de Conan Doyle, O vale do terror foi publicado primeiro em folhetim na Strand Magazine, entre setembro de 1914 e maio de 1915. O lançamento em livro foi em fevereiro de 1915. É um dos últimos trabalhos envolvendo Sherlock Holmes e seu amigo doutor Watson. E uma das narrativas menos interessantes do famoso detetive.

Conan Doyle usa o mesmo recurso de Um estudo em vermelho, sua primeira obra, lançada em livro em 1888. A trama é dividida em duas partes. Na primeira, Sherlock Holmes desvenda o mistério que envolve um assassinato na Inglaterra. Na segunda, a narrativa migra para os Estados Unidos, onde os bastidores que levaram ao crime são esclarecidos.

Se em Um estudo em vermelho Conan Doyle usa a vida dos mórmons dos Estados Unidos como pano de fundo, em O vale do terror o foco são os maçons. Em sua obra, o autor recorre mais de uma vez a sociedades secretas a fim de construir suas tramas. Esse fato, além da repetição de enredos e técnicas de dedução de Holmes, vão levando as histórias a perder em vigor e originalidade.

As situações e o comportamento de personagens em O vale do terror são caricatos. Conan Doyle parece não se ter esforçado muito para construir essa narrativa. Sabemos que ele já não nutria grande motivação por Homes, desde que havia tentado matar o personagem, 21 anos antes. 

A leitura pode ser interessante para quem ainda não leu nenhuma aventura de Sherlock Holmes. Caso contrário, é indicada para os muito fãs do detetive.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Proust egoísta e manipulador

Obra revela a estranha maneira do autor se relacionar com as mulheres

Marcel Proust não poderia ter escolhido um título mais honesto para o quinto volume de seu Em busca do tempo perdido. Ao decidir levar sua paixão de férias Albertine para sua casa em Paris, o autor faz da moça uma cativa de luxo, sujeita a seus caprichos e devaneios.

Este texto contém informações sobre o desenrolar da narrativa que podem comprometer o prazer pela leitura desse livro. Por essa razão, se você prefere ser totalmente surpreendido antes de ler meus comentários, melhor voltar para cá depois.

A prisioneira nos traz um Proust egoísta e manipulador. Albertine, com quem cogita casar, é mantida em um quarto de sua casa, algo que não agrada sua mãe, que está ausente. A relação entre os dois é asfixiante, pois a moça só pode sair sob supervisão e aprovação de Marcel.

A questão do homossexualismo, muito presente no título anterior, Sodoma e Gomorra, é retomada e aprofundada neste livro. Envolve as angústias que o autor alimenta em relação a Albertine, e também um dos personagens recorrentes de Em busca do tempo perdido, o senhor de Charlus.

O barão acaba vítima de uma intriga que beira o grotesco. Em paralelo a uma apresentação musical encantadora de um septeto, o narrador relata uma conspiração cujo objetivo é humilhar e isolar o nobre. Esse, por sua vez, não se preocupa ao promover uma enorme desfeita à dona da casa, senhora respeitável na sociedade.

O desfecho é melancólico, um episódio - mais um na obra de Proust - que retrata o pior da aristocracia francesa. Há outros, como o desafio de desvirginar e depois abandonar moças ingênuas ou viver de favores.

O texto poético de Proust, porém, não falta às páginas de A prisioneira. O autor retoma suas memórias sensoriais, como a cena emblemática da madalena molhada no chá. As associações auditivas também estão sempre presentes nas reflexões, e a narrativa baseia-se muito na obra do compositor Vinteuil.

Há um momento delicioso no livro quando, deitado em sua cama, Proust fala das pessoas que passam pela ruas apregoando frutos do mar, vegetais frescos e produtos da estação, como se Paris tivesse sua própria música. Ao menos no bairro aristocrata habitado pela família do autor, onde o mercado vai até os moradores.

Embora compartilhe esses momentos poéticos, Albertine é mantida "presa" por ciúme. Proust deseja muito conhecer Veneza, e entende que a moça é um empecilho. Egoísta e manipulador, o autor se dá conta de nem sequer gostar mais dela, mas sofre com a suspeita de que a moça tenha tido amantes - homens e mulheres - no passado. E não tolera a ideia de uma traição, ou de vê-la com outras pessoas mesmo após uma separação.

Albertine é mantida sob vigilância, em um clima de paranóia que se torna ainda pior quando o autor acaba por ter certeza de que a moça mente a fim de se encontrar com outras pessoas. O episódio resulta em uma discussão nterço final do livro, em que Proust entra em conflito também consigo mesmo, sobre a conveniência de terminar o relacionamento, e quando tomar essa atitude. Deixa muito claro que quer isso, mas a decisão tem de ser sua.

Já na etapa de separação, nas páginas finais de A prisioneira, durante passeio com Albertine por Versailles, os dois ouvem um avião. O autor faz então considerações sobre o som que ouve com relação ao apito de um trem a dois quilômetros de distância. Curioso que, ao longo dos anos registrados por Proust em sua obra, vão surgindo o telefone, o automóvel e o avião, e o autor não deixa de falar algo sobre isso.

Deixo o desfecho de A prisioneira por conta de sua leitura. É um livro que desperta irritação por conta das atitudes do autor. Mas é um retrato fiel da alma humana, pintado com o talento de Marcel Proust.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

A promessa

Volume traz uma novela e um conto do autor

É muito legal ser surpreendido por uma obra ou autor do qual nunca se ouviu falar. É o caso dos títulos de agosto do serviço de assinatura Tag Livros. Títulos porque a novela A Promessa e o conto A Pane foram reunidos em um só volume. 

As obras foram escritas por Friedrich Dürrenmatt, autor suíço que viveu de 1921 a 1990. Dürrenmatt é mais conhecido no Brasil como dramaturgo, autor de A visita da velha senhora, de 1956. A peça foi encenada no Brasil em várias montagens, a última delas com Denise Fraga. Foi também um dos últimos trabalhos de Tônia Carrero.

No mesmo ano de A visita da velha senhora, o autor escreveu A Pane, e em 1958, A PromessaDürrenmatt questiona a ideia do detetive infalível e certeiro em suas conclusões lógicas. debate a literatura policial dentro da trama de uma história que tem todos os elementos de um romance do gênero, fazendo metaliteratura.


Faz isso em A Promessa por meio de um escritor de romances policiais cujo nome não ficamos sabendo. O personagem narra em primeira pessoa seu encontro com um policial crítico de como sua atividade é retratada pela ficção.

A Promessa gira em torno da história do investigador Matthäi, que promete à mãe de uma menina assassinada punir o responsável pelo crime. Mesmo quando um suspeito é identificado, o velho policial segue com sua investigação obsessiva. 

É um romance de rápida leitura, não convencional para quem está habituado aos policiais mais conhecidos. Causa estranheza, por exemplo, o agressivo diálogo de adultos com uma criança, lembrando que a obra foi escrita há seis décadas. 

Questões como a justiça popular, violência policial e a própria infalibilidade da justiça estão presentes. E o autor inova ao tocar no tema do assassino serial, 60 anos atrás.


Dürrenmatt tem um texto seco, direto, enxuto. E uma ironia amarga. É a essência de A Pane, onde o autor volta a brincar com a soluções fáceis para os textos de ficção. Quando o vendedor Alfredo Traps vê-se retido em um vilarejo por conta de um defeito no carro, hospeda-se em uma grande casa. Lá é convidado para participar de um jantar muito singular, que vai simular um julgamento. O réu? Ele mesmo.

A sequência lembra o banquete de A festa de Babette, conto de Karen Blixen que virou filme premiado com o Oscar. O desfecho, bem, o desfecho não decepcionaria Edgar Allan Poe.






sábado, 6 de outubro de 2018

Uma boa história de bruxas


Edição caprichada traz textos e ilustrações extras revelando o processo criativo dos artistas 

Uma carcaça de automóvel abandonada no meio de um bosque e dois garotos com muita imaginação criativa. Já adulto, um dos meninos - autodeclarado "ansioso" - usa o talento como escritor para traduzir as fantasias juvenis e suas dúvidas com relação à educação dos filhos em uma história original explorando o mito das bruxas.

Wytches é uma boa história de horror escrita por Scott Snyder. Os elementos sombrios, como um trauma do passado, a floresta escura e a família que escolhe viver em um casarão isolado estão presentes. E a narrativa fragmentada contribui para o clima de incerteza que vai envolvendo personagens e o próprio leitor.

Não é por acaso que os quatro artistas envolvidos nessa graphic novel têm crédito na capa. Os traços de Jock, as cores de Matt Hollingsworth e as letras de Clem Robins combinam com perfeição para transmitir o clima de angústia imaginado por Snyder.

A bela edição encadernada, em formato especial da Darkside, traz seis textos complementares assinados pelo autor do argumento. Snyder fala de experiências próprias, temores pessoais e como eles influenciaram a concepção da história e seus personagens. Com fotos do local de sua pré-adolescência que inspiraram a graphic novel.

As páginas finais trazem ainda algumas sequências que ilustram o processo criativo, desde os esboços às técnicas finais de coloração.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Histórias reais de horror

O livro é resultado de uma pesquisa de sete anos do autor

Caco Barcellos hoje é mais conhecido por seu trabalho à frente de Profissão Repórter, da TV Globo, mas sua carreira vem de longe. E um dos trabalhos de destaque é Rota 66 - A história da polícia que mata, livro-reportagem lançado em 1992.

É um obra mais do que atual, no momento em que a questão da segurança pública - ou a falta dela - está em pauta. O tema chamou a atenção de Barcellos desde a infância, ainda no Rio Grande do Sul, por conta de excessos da polícia. O autor destaca que a grande maioria dos policiais militares só recorre à violência extrema - o uso de armas de fogo - quando não há alternativa. 

Já vivendo em São Paulo, porém, em começo de carreira como jornalista, percebe um padrão de violência. O suspeito resiste à abordagem, reage a tiros, é baleado e levado pela viatura ao hospital, onde é declarado morto.

Esse relato se repete muitas vezes em jornais que dão grande espaço ao noticiário policial, como o extinto Notícias Populares. Barcellos nota também a repetição de alguns nomes de policiais envolvidos nos tiroteios. Todos da Rota.

Ficamos sabendo da origem da Polícia Militar paulista em 9 de abril de 1970, a partir da fusão da antiga Força Pública com a Polícia Civil. E que parte dos integrantes da Rota, recém-criado criado grupo de elite da PM, teve origem em organizações como a Oban, Operação Bandeirante, que combatia movimentos armados de esquerda e assaltos a banco. 

Muito antes de ser moda falar em jornalismo de dados, Caco Barcellos cria o seu Banco de Dados, e parte para um trabalho extraordinário. Ao longo de sete anos, pesquisa 22 anos de atividade da Polícia de São Paulo, entre 1970 e 1992. 

À revelia da má vontade das autoridades que dificultam seu acesso a documentos públicos, promove uma longa pesquisa, vasculhando arquivos desorganizados, em salas empoeiradas e até insalubres. Confronta os dados com os recortes de Notícias Populares e documentos da Polícia Civil e do Instituto Médico Legal.

Após a análise atenta de quase quatro mil casos, constata que ao menos dois terços dos mortos não tinham qualquer passagem pela polícia. Em muitos casos eram trabalhadores inocentes de qualquer acusação. Em geral, pessoas pobres da periferia, de pele parda ou negra, cujo maior pecado era estar no lugar errado na hora errada.

Caco Barcellos dá um rosto e uma história a casos que normalmente são apenas relatos frios nas páginas de jornais. Alguns episódios se destacam, como o do filho de um sargento da própria PM, morto após uma perseguição de carro. Ou o de Fernando Ramos da Silva. Jovem de origem humilde, ele foi escolhido pelo cineasta Hector Babenco para viver o papel principal em Pixote, a lei do mais fraco, filme de 1981. Não conseguiu se firmar na carreira de ator e, seis anos mais tarde, acabou morto pela polícia aos 19 anos de idade.

Em uma madrugada de abril de 1975, um grupo de jovens de classe média alta é flagrado por uma equipe da Rota furtando o toca-fitas do carro de um amigo. Segue-se uma perseguição policial por ruas de bairros nobres de São Paulo, descrita em detalhes por Caco Barcellos como se ele estivesse presente. Várias viaturas são envolvidas, até o cerco final do Fusca ocupado pelos rapazes e sua morte por rajadas de metralhadora.

É o episódio que dá título a esse livro. É uma das histórias de horror mais fortes que já li, porque a brutalidade é real, e os monstros existem. Um corajoso livro-reportagem que merece sua leitura.




sábado, 11 de agosto de 2018

A letra escarlate

O clássico lançado em 1850 teve adaptações para o cinema
Logo nas páginas iniciais de "A letra escarlate", Hester Prynne é indultada da pena de morte em troca de ser exposta por algumas horas à execração pública em um pelourinho, antes de ir para a cadeia na cidade de Salem, no século 17. O crime pelo qual é acusada é o adultério.

Hester, uma bela mulher, tem uma criança nos braços durante o interrogatório do clero da cidade, um assentamento de puritanos. Exigem que ela revele o nome do pai da menina, uma vez que seu marido está desaparecido há anos. A jovem recusa-se a dizer, e é 
presa.

Recebe a visita de um médico na prisão, a quem também não revela o nome. O homem anuncia que vai descobrir quem é o responsável pelo adultério, e jura vingança. Hester e sua filha, que recebe o nome de Pearl, são liberadas da prisão meses depois, e banidas da cidade. A jovem ainda deve usar a letra A vermelha pregada sobre o peito.

"A letra escarlate" que dá nome à obra é um A vermelho que remete a adúltera. Hester torna-se exemplo do pecado, um comportamento a não ser seguido, vergonha a ser evitada, objeto de olhares de reprovação. Vive isolada com sua filha em uma casa abandonada e afastada, e costura para os habitantes da cidade como subsistência.

Pearl vai crescendo, apresenta sinais de grande talento para aprender e começa a questionar a mãe sobre o A vermelho no peito. Um dos momentos mais tensos da narrativa é quando os líderes políticos e religiosos da cidade querem tirar a guarda da menina de Hester. O reverendo Arthur Dimmesdale intervém com uma forte argumentação teológica, e mãe e filha voltam juntas para casa.

Discursos, teologia e moralismo, aliás, marcam esse livro lançado em 1850. Foi um enorme sucesso de vendas, considerado um clássico da literatura, para alguns a melhor obra dos Estados Unidos. Nathaniel Hawthorne, ele mesmo um puritano, era neto de um dos juízes que participaram do julgamento do caso que ficou conhecido como "As bruxas de Salem". Seu texto é típico da literatura norte-americana do século 19, com longas descrições e poucos diálogos.

Na obra, o autor elabora extensas reflexões sobre questões morais, filosóficas, religiosas e comportamentais. O tema central é sempre o pecado, a culpa. O clima é de melancolia, e os três principais personagens adultos sofrem com seus fantasmas. Pela profundidade  das ideias e dos protagonistas, "A letra escarlate" é considerado um livro precursor do romance psicológico.

Falar em fantasmas na obra de Hawthorne, aliás, não é mera figura de linguagem. Há um toque de fantástico na aparição de um meteoro com o formato da letra A, uma doença misteriosa, suspeitas de experiências demoníacas, mulheres com aspecto de bruxas e um homem de negro com um livro sob o braço que vaga pela floresta. Cenas noturnas e situações sombrias temperam a trama.

Hester fica à margem da sociedade entre 1642 e 1649, quando sua sina começa a caminhar para um desfecho. A história ganha um ritmo de aventura que precede a grande revelação.

Nathaniel Hawthorne foi autor também de muitos contos e romances, como "O fauno de mármore" e o gótico "A casa das sete torres". A edição mais recente de "A letra escarlate" no Brasil saiu pelo selo Penguin Companhia, da Companhia das Letras. Há também uma edição de bolso da Best Seller.


domingo, 29 de julho de 2018

Mitologia nórdica

Os personagens foram apropriados pela cultura pop
O talento de Stan Lee e seus parceiros na criação de super-heróis para a Marvel é inegável. Mas, ao menos no caso de Thor e seu indefectível martelo, já estava tudo pronto para a turma das HQs adaptar. É o que fica nítido na leitura de "Mitologia Nórdica", de Neil Gaiman, ele mesmo um declarado admirador do Deus do Trovão, seu pai Odin, o irmão Loki e toda os habitantes de Asgard.

As relações entre deuses, gigantes, anões e outros personagens mitológicos se sucedem ao longo das crônicas da obra. Chama a atenção a sequência de engodos, tramoias e ardis com que as nobres divindades tentam passar para trás umas às outras o tempo todo.

Não raro, o assunto acaba em pancadaria. O ardiloso Loki tem a capacidade de sempre piorar as coisas. E há passagens surpreendentes e de humor impagável, como Thor ter de se vestir de mulher para enganar o ladrão que roubou seu martelo Mjolnir para tentar recuperá-lo.

O estelionato é frequente, mas há também muitos códigos de honra. E respeito à mulher, que tem espaço para recusa ao desempenho de alguns papéis menos nobres. Estamos falando de uma obra que reúne lendas anteriores ao cristianismo. As walkírias eram divindades encarregadas de recolher as almas dos guerreiros e conduzi-las até Valhalla, o salão dos mortos.

Não se surpreenda em encontrar personagens muito familiares em obras como "Senhor dos Anéis" ou "Harry Potter". J. R. R. Tolkien e J. K. Rowling beberam à vontade das fontes escandinavas. Se quiser saciar sua sede também, "Mitologia Nórdica" tem edição em português da Intrínseca. Na versão em áudio, a locução é do próprio Neil Gaiman, um deleite extra.



segunda-feira, 9 de julho de 2018

Olhar sem ver

Perturbadora fábula em que não se pode ver quem está ao lado  

Os verbos "desver", "desouvir" e "dessentir" são usados com frequência nessa obra do escritor e ativista político britânico China Tom Miéville. E querem dizer exatamente o que sugere sua leitura: você vê, mas não pode enxergar o que está vendo, escuta sem ouvir, sente, mas não apreende. Alguma familiaridade com relação ao motorista que "desvê" o pedinte tanto à janela de seu carro parado no semáforo?

Para não correr o risco de estragar a experiência da leitura de "A cidade e a cidade", isso é mais do que o bastante para falar da experiência de viver em Beszel ou Ul Qoma. As duas cidades que justificam o título do livro ocupam o mesmo espaço geográfico, mas são separadas por idiomas, culturas e administrações diferentes. Ver algo ou alguém da outra cidade é um grave delito.

O assassinato de uma jovem estudante envolve o inspetor Tyador Borlú, do Esquadrão de Crimes Hediondos de Beszel. É o começo de uma trama policial com traços de distopia, no cenário desconcertante das cidades vigiadas pela misteriosa e onipresente Brecha, capaz de interferir ao mínimo deslize dos cidadãos. 

Adendo da editora Boitempo lembra que "A cidade e a cidade" foi publicado no Brasil em 2014, ano em que se celebrou o aniversário de 25 anos da queda do Muro de Berlim. E também fazia 20 anos que os EUA começaram a construir seu muro na fronteira do México e 12 que Israel fazia o mesmo na Cisjordânia, entre outras obras de separação física em curso no mundo.

Assim como as duas cidades imbricadas, a leitura desse livro oferece várias interpretações. Chamar de ficção científica ou distopia urbana é pouco, até porque a tecnologia retratada na obra é quase toda contemporânea. Miéville tem sido enquadrado na categoria de um autor de weird fiction, ou ficção estranha. Mas, querendo, basta pensar um pouco e olhar em volta para enxergar muitos paralelos na cidade onde você mesmo vive.

"A cidade e a cidade" foi lançado originalmente em 2009. Para chegar ao Brasil, passou pela tradução desafiadora e competente de Fábio Fernandes.

domingo, 1 de julho de 2018

Endurance: Shackleton's Incredible VoyageEndurance: Shackleton's Incredible Voyage by Alfred Lansing
My rating: 5 of 5 stars

Uma das mais inacreditáveis aventuras da exploração polar, uma história já plena de narrativas de superação pela conquista dos extremos gelados do planeta. Um grupo de homens enfrenta um desafio de sobrevivência não planejado, lançando mão de recursos cada vez mais limitados. Liderança, coragem e resiliência marcam essa narrativa.
Um trabalho notável do escritor e jornalista norte-americano Alfred Lansing, a partir de entrevistas com os participantes da expedição e leitura de seus diários.


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quarta-feira, 27 de junho de 2018

Todos os fogos o fogo

Coletânea reúne oito contos do escritor argentino

Como a vida se reorganiza em um incrível e inexplicável congestionamento em uma rodovia francesa é o conto de abertura dessa coletânea lançada em 1966. Um ponto alto no trabalho de Julio Cortazar, "Todos os fogos o fogo" reúne em oito contos toda a habilidade com que o escritor entrecruza personagens e tramas em tempos e espaços distantes. De uma ilha caribenha que vive uma revolução - no relato literário-jornalístico "Reunião" - a uma trágica história de amor que perpassa os séculos e dá título ao livro.

Com ou sem pinceladas de realismo fantástico  Cortazar tem o enorme talento de deixar o leitor desconcertado, como nos contos "A ilha do meio dia" e "Instruções a John Howell". Melancolia e tristeza estão presentes em narrativas que falam de amor e morte, como "A saúde dos doentes", ou no dolorido "Senhorita Cora", meu conto preferido nessa coletânea. Cortazar dá uma aula sobre como transitar a narrativa em primeira pessoa de um personagem a outro.

Editado pela BestBolso, selo da Best Seller, do grupo Record, "Todos os fogos o fogo" tem tradução competente de Gloria Rodriguez. A edição de tamanho compacto, porém, é impressa em papel com alguma transparência. A vantagem é que o livro pode ser comprado pelo preço de uma revista na banca. 
O indiozinho que perdeu a memóriaO indiozinho que perdeu a memória by Caio Peroni
My rating: 4 of 5 stars

Um menino acorda no meio da floresta desorientado, não sabe nem quem é. Esse é o argumento básico do primeiro livro infantil de Caio Peroni, lançado dentro do selo "Crianças diversas" da editora Metanoia. Ao longo das páginas com belas aquarelas de Luan Adriel, acompanhamos a jornada do pequeno índio com uma dose de suspense até a solução do mistério.
Como o jovem índio, o jovem e esforçado Caio também está em sua jornada de descoberta.


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domingo, 17 de junho de 2018

Poeta da ciência


Um dos ideais do inventor era oferecer energia elétrica de graça para todos 

Procurei saber, mas não descobri se em algum momento o ilustrador Carl Barks contou qual foi sua inspiração para criar Gyro Gearloose para os estúdios Disney em 1952. Mas não ficaria surpreso de saber que, até por conta de Lampadinha, o companheiro do personagem que no Brasil ficou conhecido como Professor Pardal, Barks não teria levado em conta a vida de Nikola Tesla como referência para criar seu personagem inventor.

O fato é que, ouvindo a biografia escrita pela professora e matemática Margaret Cheney - "Tesla: Man out of Time" -, pensei no divertido, excêntrico, genial e generoso inventor dos quadrinhos. A vida de Nikola Tesla, que nasceu na Sérvia e adotou os Estados Unidos como morada, parece mesmo uma obra de ficção.

Em seus 86 anos de vida, Tesla criou mais de 200 inventos, entre eles o uso da corrente alternada que mudou a indústria, patentes que viabilizaram a criação do rádio, do raio-x e sistemas de iluminação eficientes. Suas soluções para o uso produtivo da eletricidade poderia ter feito de Tesla um milionário, mas trocou tudo para dedicar-se à paixão de sua vida, a ciência.

Com um texto saboroso, fluido e leve, Margaret Cheney faz um resumo da vida e do trabalho de Tesla. Ouvindo o audiolivro na voz do bom narrador Arthur Morey, em alguns momentos parecia estar em uma aula de Física. Mas, no geral, a narrativa dos momentos de tensão, em que Tesla luta por patrocínio para seus projetos, alternam-se com traços de sua personalidade, que iam da obsessão pelos números divisíveis por três ao seu amor pela poesia e a frustrada vida amorosa.  

"Tesla: Man out of Time" é uma boa biografia para conhecer a vida de um inventor genial que sonhava em melhorar a vida da humanidade oferecendo eletricidade de graça, comunicação de longa distância sem fios e até acabar com as guerras. Chamado por Thomas Edison - seu patrão por seis meses, de "poeta da ciência", acabou esquecido por quase todos que não são ligados ao estudo da Física. Hoje é lembrado por um dos projetos mais ousados de carro elétrico que homenageia seu nome.

https://soundcloud.com/autoesporte/tesla

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Fragmentos do HorrorFragmentos do Horror by Junji Ito
My rating: 4 of 5 stars

Leitura legal para um Dia do Orgulho Nerd. Tem sua pegada "Contos da Cripta", mas as tramas vão muito além da vingança-que-vem-do-túmulo da publicação norte-americana. O japonês Junji Ito vai fundo nos pesadelos, alucinações e ilustra com muito talento as situações perturbadoras que envolvem os personagens.
A bela edição encadernada da Darkside que reúne as oito narrativas só tem como problema não permitir abrir muito o livro. Isso atrapalha um pouquinho a leitura dos textos junto à costura central.


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"Como escrever bem"

As dicas preciosas de redação valem para profissionais de todas as áreas

"Como escrever bem" foi pensado e escrito principalmente para quem escreve ou pretende escrever não ficção. Mas a obra do jornalista e professor norte-americano William Zinsser é uma coleção de textos preciosos para quem precisa se comunicar por escrito com clareza. Ou seja, praticamente todos, sejam profissionais de comunicação ou não.

O livro tem tradução de Bernardo Ajzenberg, com ótima adequação de palavras e expressões que só fariam sentido no original em inglês. Alguns capítulos da obra, porém, foram suprimidos dessa edição. Perguntei sobre essa ausência à editora Três Estrelas, que rapidamente respondeu que a exclusão foi feita porque os capítulos "eram muito referidos à língua inglesa, sem possível adaptação às questões que enfrenta um um redator em português". É pena, gostaria de conhecê-los.

Zissner, morto em 2015 aos 92 anos, deixou em "Como escrever bem" e em toda a sua obra um elogio aos bons textos. Mais do que isso, um convite a todos que queiram compartilhar experiências ou memórias, mesmo sem a pretensão de publicar um livro.

Uma só ressalva: é uma pena que Zissner cite apenas textos e autores norte-americanos. Naturalmente, os melhores, mas sem nenhuma referência de grandes textos fora dos EUA.

segunda-feira, 30 de abril de 2018

"Aniquilação": entre livros e filme, fique com ambos


A versão para o cinema explica mais, e conta com sequências assustadoras

Convergência dos dois primeiros livros, "Aniquilação" e "Autoridade", a trama de "Aceitação" envolve mais personagens e se passa em várias lugares. O problema nesse livro que encerra a trilogia é que Jeff Vandermeer dá muitas voltas, perde muito tempo na descrição de sequências que pouco acrescentam à história.

O leitor é convidado a testemunhar o desfecho do mistério através de um texto sinestésico, em que o autor vai nos conduzindo nas mesmas situações desconcertantes que envolvem os personagens. Nós, leitores, sabemos tanto quanto os protagonistas principais, eventualmente alguns detalhes a menos. Como eles, não somos poupados da rede perturbadora formada por fenômenos biológicos, genéticos, seres improváveis, alucinações e mesmo espionagem presente nos três livros.

Apesar das quase mil páginas da trilogia, no entanto, o leitor não vai escapar de uma sensação de estranheza após sua jornada através da Área X. Como os personagens que saem de lá, os leitores também vão deixar para trás muitas perguntas sem resposta.

O filme "Aniquilação" é muito bom, pena que reduza a menos de duas horas a sucessão de episódios descritos nos livros. Poderia facilmente justificar a produção de uma série de televisão, e ser tudo aquilo que "Lost" perdeu a chance de concretizar. Difícil será não se impressionar com uma sequência assustadora que não é descrita nos livros.


Um detalhe que pode passar despercebido por muita gente é o livro que a bióloga interpretada por Natalie Portman aparece lendo junto ao marido. Em "A vida imortal de Henrietta Lacks", como foi lançado em português pela Companhia das Letras, Rebecca Skloot relata a vida de Loretta Pleasant. Descendente de escravos, em 1950, aos 30 anos de idade, descobriu um câncer no útero, que logo se espalhou pelo corpo.

Loretta morreu no ano seguinte no Hospital Johns Hopkins onde, sem seu conhecimento ou de sua família, teve uma amostra do colo do útero extraída pela equipe de George Gey, chefe da cultura de tecidos do hospital. Com a amostra, Gey demonstrou que as células cancerígenas continuavam se multiplicando, tornando-se na prática imortais.

Não se sabe em que momento Loretta passou a ser chamada de Loretta, mas o certo apurado pela autora do livro é que sua família não recebeu qualquer satisfação ou recompensa moral ou financeira por conta do que passou a ser conhecido como a linhagem HeLa de células. Uma linha de pesquisa determinante para, entre outros avanços da bilionária indústria farmacêutica, tratamentos contra o câncer e as vacinas contra poliomielite e HPV.

Em uma das primeiras cenas do filme a bióloga está dando uma aula em que demonstra a reprodução de células cancerígenas. A versão das telas revela mais, enquanto os livros fazem muito mistério. As respostas podem estar na genética, e não necessariamente da maneira mais favorável para a humanidade.



Ratos mutantes


Livro tem terror, sexo e crítica social

O inglês James Herbert ficou conhecido como o "Stephen King britânico". Era admirado pelo best-seller norte-americano, que cita exemplos de seu trabalho em "Dança Macabra", livro onde lista e comenta referências de sua obra. Resolvi dar uma chance para "The Rats", que achei em uma versão audiolivro. 

Sua obra de estreia, "The Rats" foi lançado em 1974, e tornou-se um sucesso imediato. Hoje a fórmula parece datada, e ficou mesmo, quase 50 anos depois. Ratos mutantes começam a atacar pessoas e animais com agressividade e frequência progressivas, e um professor acaba tomando a frente para combatê-los. É a historia recorrente de uma mutação em um animal que normalmente já causa repulsa, como o rato, e uma pessoa comum acaba por se tornar o herói.

A descrição da violência dos ataques é crua e detalhada. Como também são detalhadas as cenas de sexo, elemento comum na literatura popular da década de 1970. O autor alterna essas cenas com os ataques que se sucedem em ambientes diferentes e uma nada sutil crítica ao chamado  poder público, indiferente às populações pobres marginalizadas vivendo em áreas degradadas com acúmulo de lixo.

Ouvi o audiolivro (são apenas 6 horas e 14 minutos) em uma semana de idas e vindas no trânsito. O narrador David Rintou capricha na dramatização da história, colocando dinâmica nas sequências mais tensas e movimentadas. Um guilty pleasure que vale como passatempo no anda-e-para dos congestionamentos. Mas não sei se dedicaria tempo para ler como livro impresso.




domingo, 22 de abril de 2018

"Autoridade"

AutoridadeAutoridade by Jeff VanderMeer
My rating: 4 of 5 stars

Nesse segundo volume da trilogia "Comando Sul", Jeff VanderMeer muda o ponto de vista da bióloga de "Aniquilação" para o posto de observação externo à Área X. Mais personagens, mais fragmentos da história e poucas respostas. O autor consegue manter o clima de suspense e horror no melhor estilo de H. P. Lovecraft.
Com a estreia do filme "Aniquilação" no Netflix fui "obrigado"a partir para a leitura imediata de "Aceitação", que fecha a história intrigante da Área X. Será que fecha? O filme aparenta resumir a trilogia em apenas um longa de menos de duas horas. Tem imagens fascinantes, situações assustadoras e algumas alterações em relação aos livros. E não diminuiu em nada a vontade de lê-los, ao contrário.
Bela ficção cientifica!


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quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Arquivo X nas montanhas

Dead Mountain: The Untold True Story of the Dyatlov Pass IncidentDead Mountain: The Untold True Story of the Dyatlov Pass Incident by Donnie Eichar
My rating: 4 of 5 stars

Relato sobre um mistério absolutamente intrigante prestes a completar 60 anos sem uma explicação conclusiva. Nove jovens estudantes russos, experientes em longas caminhadas na natureza, morreram em circunstâncias estranhas no Passo Dyatlov, montes Urais, uma cadeia de montanhas na Sibéria, na noite de 2 de fevereiro de 1959. Foram encontrados dias depois, em grupos separados, alguns parcialmente vestidos, outros com ferimentos graves.

A causa da morte principal foi o frio, estimado entre 20 e 30 graus Celsius negativos naquela noite. Aberturas feitas com faca dentro da barraca, olhos e parte da língua faltando em um dos corpos e a falta de calçados em algumas da vitimas - sete rapazes e duas moças - deram margem a especulações sobre a causa da tragédia. O grupo teria sido vitima de uma tribo da região, de alienígenas, de prisioneiros fugidos do complexo de prisões que ficou conhecido como Gulag, ou de agentes do próprio governo soviético, por terem inadvertidamente presenciado testes de armas secretas - o mundo vivia o auge da Guerra Fria.

A reação das autoridades, na ocasião, contribuiu para aprofundar o clima de dúvidas e mistério. O inquérito concluiu de forma lacônica que o grupo havia sido morrido por conta de uma "força desconhecida". Mesmo o fim da União Soviética e a revelação de documentos da época contribuiu pouco para esclarecer o caso.

Donnie Eichar pesquisou, entrevistou pessoas que tiveram contato com o grupo de estudantes e percorreu seus passos até o local da tragédia. O livro, lançado em 2013, traz como conclusão uma teoria que poderia explicar a tragédia. A possibilidade é fascinante, mas o autor não leva em conta fenômenos como o vento andino Zonda ou o Foehn dos Alpes. E fica faltando uma comprovação local da teoria levantada pelos especialistas ouvidos.

Uma leitura magnética, um verdadeiro Arquivo X das montanhas.


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sábado, 20 de janeiro de 2018

O túnel

O túnelO túnel by Ernesto Sabato
My rating: 5 of 5 stars

Juan Pablo Castel é um pintor fechado em seu próprio mundo, que despreza as pessoas. Em uma exposição, porém, se deixa fascinar por uma jovem mulher que observa atentamente um detalhe de um quadro seu. O fascínio logo se torna em obsessão, amor possessivo e loucura.

É o próprio protagonista quem narra o livro em primeira pessoa, e nos leva a acompanhar seu mergulho em uma espiral de angústia e ciúme doentio que leva ao desfecho trágico revelado logo nas duas primeiras linhas do romance.

O argentino Ernesto Sabato tem um texto ágil, que conduz o leitor no ritmo galopante da trama. Uma obra de leitura rápida, mas que causa uma impressão prolongada pelas fortes emoções que o leitor é levado a compartilhar com grande vivacidade com o personagem principal.


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sábado, 13 de janeiro de 2018

Só um passatempo

The House Next Door: A Ghost StoryThe House Next Door: A Ghost Story by Darcy Coates
My rating: 2 of 5 stars

A trama tem alguns bons momentos, mas no geral é uma história de fantasmas com muitos clichês e final previsível.


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Bom para matar saudade

Dança MacabraDança Macabra by Stephen King
My rating: 3 of 5 stars

Longa análise de Stephen King sobre como filmes, seriados e livros influenciaram sua obra. A questão do porquê escrever histórias de horror está sempre presente. É divertido lembrar e ler sobre seriados dos anos 1950 e 60, e os filmes do período da paranóia da ficção cientifica. Boas também as análises dos livros escolhidos como referência por King. O senão é o texto por vezes palavroso e repetitivo, um dos pecados do autor.


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