terça-feira, 31 de dezembro de 2019

O Gato e as OrquídeasO Gato e as Orquídeas by Kwong Kuen Shan
My rating: 5 of 5 stars

Inspirada combinação de aquarelas que retratam flores - principalmente orquídeas - com gatos em "atitudes de gato", provérbios e trechos de sabedoria popular oriental. Kwong Kuen Shan ainda compõe as 40 pinturas que ilustram seu terceiro livro com sinetes chineses que traduzem seus sentimentos e inspiração.

A autora revela ainda em um breve texto como a convivência com os felinos de uma amiga a curou de sua "gatofobia". Pelo que se vê de sua obra, publicada no Brasil pela Estação Liberdade, mais do que curou, a converteu em uma apaixonada por gatos. Fenômeno, aliás, muito frequente em quem tem medo ou afirma não gostar de gatos, mas acaba tendo oportunidade de conviver e conhecê-los direito.

"O gato e as orquídeas" foi traduzido do francês por Denise Bottmann.


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domingo, 29 de dezembro de 2019

A longa viagem a um pequeno planeta hostil (Wayfarers, #1)A longa viagem a um pequeno planeta hostil by Becky Chambers
My rating: 3 of 5 stars

Uma história de ficção científica de viés otimista sem medo de explorar os clichês mais comuns do gênero. Temas como tolerância e convívio harmonioso entre os muito diferentes estão sempre presentes, em relacionamentos sociais, amorosos e sexuais sem distinção de espécie ou gênero.

A autora explora conflitos pessoais e galácticos envolvendo a tripulação de uma nave cuja missão é apenas a prestação de serviços. No caso, abrir "buracos de minhoca" para abreviar viagens interplanetárias. Filha de cientistas ligados à exploração do espaço, Becky Chambers consegue passar conceitos de Física em linguagem acessível. E cria algumas situações interessantes para os fãs do gênero, embora no geral seu estilo seja bem juvenil, com uso de piadinhas muito fáceis.

Leitura descompromissada. Acredito que o livro seja supervalorizado pela história pessoal da autora. Becky Chambers conseguiu reunir leitores para sua obra através de um esforço de autopublicação que acabou por atrair a atenção dos editores. Ela conta essa experiência em um breve relato no fim de "A longa viagem a um pequeno planeta hostil" que foi mantido na edição da DarkSide. A boa tradução é de Flora Pinheiro.


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segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Wild: From Lost to Found on the Pacific Crest TrailWild: From Lost to Found on the Pacific Crest Trail by Cheryl Strayed
My rating: 4 of 5 stars

Uma sucessão de perdas e dramas pessoais começa a levar Cheryl à autodestruição. Na contramão das decisões questionáveis que adota em sucessão, como assumir o sobrenome de Strayed (perdida), a jovem de 26 anos resolve fazer uma caminhada pela Pacific Crest Trail. Entre as fronteiras com México e Canadá, a jornada cobre 4.260 km do leste dos EUA. Com pouquíssimo dinheiro, sem nunca ter feito trekking, Cheryl decide-se a caminhar mais de 1.600 km entre o deserto de Mojave e o estado de Washington. Sozinha.

A mochila desproporcionalmente grande anuncia a inexperiência da jovem aos que encontra pelo caminho. A autora vai alternando o relato sobre a relação difícil com o pai, problemas familiares e com o casamento com a narrativa de sua experiência na trilha. Cansaço, bolhas no pé, encontros com animais selvagens, passagem por trechos nevados e penhascos, sede, acampamentos. Tudo o que desperta a vontade, em quem já viveu esse tipo de aventura, de preparar a mochila e partir para uma longa caminhada.

Cheryl tem sempre um livro na mochila, cuja leitura anima o fim de seus duros dias de jornada. De "Enquanto Agonizo", de William Faulkner, ao pouco conhecido "The Ten Thousand Things", de Maria Dermout, passando por contos de Flannery O'Connor, a jovem devora páginas como devora quilômetros.

"Wild" foi lançado no Brasil como "Livre" pela editora objetiva, com tradução de Débora Chaves. Uma leitura emocionante para quem gosta de relatos de superação, aventuras na natureza e leitura, muita leitura.


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sábado, 21 de dezembro de 2019

A Fugitiva (Em Busca do Tempo Perdido, #6)A Fugitiva by Marcel Proust
My rating: 5 of 5 stars

O protagonista de Proust sofre com a dúvida se o que sentia por Albertine era amor - ou ainda pode ser. Sofre de ciúmes com suspeitas do que sua jovem amiga poderia ter feito no passado - ou mesmo durante o período em que viveu em sua casa. E sofre com a incerteza sobre a sexualidade de Albertine. Enfim, sofre continuamente, e leva o leitor a acompanhar suas reflexões atormentadas.

E "A fugitiva", Proust continua o relato sobre as desprezíveis intrigas na aristocracia parisiense, os jogos de interesse e mesquinharias. Mesmo seu personagem conta com o poder econômico como "argumento" para atrair a amante de volta ao seu controle.

A questão do homossexualismo se apresenta ainda com mais força no relato. E o envolvimento com meninas mais jovens. Subversivo, mesmo levando em conta a publicação ter sido feita há mais de 90 anos.

"A Fugitiva" tem espaço ainda para considerações até sobre diplomacia e geopolítica. Mas Proust mantém seu olhar, privilegiado, cuidadoso e atento às artes, reforçado quando da visita do protagonista a Veneza. E não economiza poesia ao falar das emoções despertas pela literatura:

"Às vezes, a leitura de um romance um pouco triste me reconduzia bruscamente para trás, porque certos romances são como grandes lutos momentâneos, abolem o hábito e põem-nos novamente em contato com a realidade da vida, mas somente por algumas horas, como um pesadelo; porque as forças do hábito e o esquecimento que elas produzem, com a alegria que nos restituem pela impotência do cérebro em lutar contra elas e em reconstituir a verdade, vencem esmagadoramente a sugestão quase hipnótica de um belo livro, que, como todas as sugestões, tem efeito brevíssimo."


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sábado, 30 de novembro de 2019

Sobre os ossos dos mortosSobre os ossos dos mortos by Olga Tokarczuk
My rating: 5 of 5 stars

Janina Dusheiko vive na companhia de duas cadelas em área afastada de uma pequena cidade, em um recanto gelado da Polônia. Divide seu tempo entre cuidar das casas de veranistas durante o inverno, dar aulas de inglês para crianças, estudar astrologia, fazer mapas astrais, traduzir poemas de William Blake e protestar contra caçadores.

É própria senhora Dusheiko - ela detesta seu pré-nome - quem narra a história em primeira pessoa. Vamos conhecendo seu passado profissional, suas rotinas, problemas de saúde, amigos e reflexões sobre a vida e a natureza. Ninguém leva muito a sério seus discursos em defesa dos animais. São apenas ideias excêntricas de uma mulher solitária a caminho da velhice. Até que a rotina da cidade é quebrada por uma sequência de mortes misteriosas.

Ganhadora do Nobel de Literatura 2018/2019, a polonesa Olga Tokarczuk escreveu “Sobre os ossos dos mortos” como um quebra-cabeças que vai sendo montado pelo leitor com a ajuda da senhora Dusheiko. O romance passeia por gêneros como literatura policial, existencialismo, ecologia e uma sugestão de sobrenatural. Com boa tradução do polonês feita por Olga Baginska -Shinzato, a leitura é daquelas difíceis de interromper. Se o mistério instiga, a intrigante personagem Janina Dusheiko cativa o leitor desde a primeira linha.

“Sobre os ossos dos mortos” foi lançado pela Todavia e tem 256 páginas, com várias epígrafes de William Blake e até “Riders on the Storm”, do The Doors.


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sábado, 9 de novembro de 2019

EmmaEmma by Jane Austen
My rating: 3 of 5 stars

Reconheço a importância de Jane Austen para a Literatura e que "Emma" seja um clássico, mas entendo que o livro envelheceu mal. Talvez por ter percebido nele a raiz de inúmeras tramas de amor, a história me pareceu repetitiva e aborrecida.

É, de fato, o retrato do tempo da autora, escritora extraordinária. A Inglaterra enriquecia explorando colônias mundo afora e mão de obra miserável em jornadas desumanas no princípio da industrialização. Sobrava tempo para uma elite se entediar e preencher seu tempo trocando visitas e, no caso das mulheres, torcendo por um bom casamento.

A obra de Jane Austen se destaca aqui, além de seu texto fluido, pela defesa de um protagonismo para as mulheres. Mas mesmo em livros como "Emma" os empregados são meras sombras que mantêm tudo limpo e funcionando sem sequer ter direito a um nome além de "serviçais".

Destaque nesse audiolivro para a Emma Thompson como narradora na produção impecável dos estádios da Audible.


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The DispatcherThe Dispatcher by John Scalzi
My rating: 2 of 5 stars

John Scalzi tem boa reputação como autor de ficção científica. Nessa novela, ele faz uma curiosa mistura de sci fi e trama policial com pretensões de noir. A premissa é interessante, mas muita presa a clichês do gênero.
Produção boa dos estúdios da Audible, tem locução de Zachary Quinto. Mas vale mais como prática de listening no carro.


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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

O Romancista Ingênuo e o SentimentalO Romancista Ingênuo e o Sentimental by Orhan Pamuk
My rating: 5 of 5 stars

"Talvez eu esteja revelando aqui muitos segredos do ofício - minha filiação à guilda pode ser revogada!", escreve Orhan Pamuk nesse livro dedicado aos leitores que apreciam conhecer os meandros da criação literária.
"O romancista ingênuo e o sentimental" na verdade é a transcrição de uma série de palestras que Orhan Pamuk ministrou na Universidade de Harvard sobre o ato da escrita, suas inspirações e - no caso do escritor - a relação com a pintura.
E, de fato, o autor revela muito sobre como a pesquisa, as conversas e as viagens aos cenários de suas obras constituem a matéria prima para suas obras. A máxima de "muita transpiração e nada de inspiração" cabe muito bem como resumo desta obra.


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sexta-feira, 6 de setembro de 2019

O vento que arrasaO vento que arrasa by Selva Almada
My rating: 4 of 5 stars

Quatro pessoas confinadas em um ermo escaldante da Argentina, reunidas por um imprevisto ao longo de um dia e meio. Quatro solidões em meio a desesperança, fanatismo religioso, dúvidas e um mistério não resolvido. No cenário sufocante e desolado junto a um cemitério de automóveis acidentados, apenas os cachorros parecem ser felizes. Novela de estreia da argentina Selva Almada prima pela atmosfera e pelo texto muito bem escrito.


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domingo, 18 de agosto de 2019

IrmãosIrmãos by Gabriel Feltran
My rating: 5 of 5 stars

Este livro joga luz sobre um fenômeno social sobre o qual boa parte das pessoas pouquíssimo sabe, e prefere ficar assim. Ao omitir a sigla PCC do noticiário, sob o argumento de não repercutir as manifestações de força da "organização criminosa", a mídia vai além e raramente discute as raízes da criminalidade.

Muitas respostas são oferecidas por Gabriel Feltran em "Irmãos, uma história do PCC". Resultado de um trabalho de 20 anos, o livro revela como a miséria, o preconceito contribuíram para o surgimento das facções criminosas. O pesquisador não descarta as fontes oficiais, mas ouve com atenção a versão de subempregados, pequenos traficantes e moradores de favelas na periferia.

Gabriel Feltran é cuidadoso ao não tomar partido de "bandidos" ou "autoridades, mas defende com sólidos argumentos suas críticas com relação às politicas de segurança pública adotadas nas últimas décadas. E mostra, com relato de situações e estatísticas, como há apenas perdedores dos dois lados.


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sábado, 6 de julho de 2019

Os despossuídosOs despossuídos by Ursula K. Le Guin
My rating: 4 of 5 stars

O livro nem precisaria ser classificado como ficção cientifica, gênero que fez de Ursula K. Le Guin uma escritora conhecida do grande público. A narrativa traz uma clara alegoria da divisão da politica global durante o período da Guerra Fria, entre o capitalismo e o socialismo/comunista.

A ciência, representada por Shevek, um físico genial, pacifista e ingênuo, viagens interplanetárias e alienígenas, é pano de fundo para o conflito entre dois regimes. De um lado, desigualdades sociais, do outro, um anarco-comunismo que também traz suas mazelas.

Em paralelo à discussão politica, a autora aborda com arrojo temas como feminismo, liberdade sexual e homossexualismo. Lembrando que a obra - premiada com várias distinções - foi lançada em 1974.


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domingo, 16 de junho de 2019

American Wolf: A True Story of Survival and Obsession in the WestAmerican Wolf: A True Story of Survival and Obsession in the West by Nate Blakeslee
My rating: 5 of 5 stars

O subtítulo desse livro entrega sua trama em poucas palavras: a sobrevivência dos lobos em reintegração ao Parque Yellowstone, nos estados de Idaho, Montana e Wyoming (EUA), e a obsessão das pessoas envolvidas no processo. De um lado, admiradores, guarda-parques, conservacionistas e legisladores comprometidos com sua preservação. Do outro, caçadores e defensores do uso de armas empenhados na matança desses e de outro animais, e sua conversão em "troféus".

Nate Blakeslee narra a história dos primeiros animais levados para o parque, e o acompanhamento a distância dos funcionários e de um número crescente de observadores. Nascimento de ninhadas, caçadas e confrontos mortais entre diferentes grupos dão o tempero realista da vida selvagem ao relato. O leitor é colocado na posição de um visitante do parque olhando os animais através de um binóculo ou telescópio em relatos vívidos.

O texto gira muito em torno de uma fêmea que recebeu o nome-código 832AF. Muitos lobos foram "batizados"com números e receberam transmissores para acompanhamento. Essa fêmea em especial destacou-se pela força e liderança, tornou-se a alfa de seu grupo e ganhou o apelido de 06.

O livro alterna acontecimentos no interior do parque e relatos da pressão dos lobistas para poder abater os animais que eventualmente saíam dos limites da área protegida. O caso chega ao Congresso e à Justiça dos EUA, com avanços e retrocessos. Até o os eventos trágicos para os lobos, que acabam tendo repercussão no país e no exterior.


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domingo, 2 de junho de 2019

A FestaA Festa by Ivan Ângelo
My rating: 4 of 5 stars

Em nove textos curtos que trafegam entre o estilo de contos e registros quase jornalísticos, o autor faz um retrato da sociedade e dos subterrâneos da ditadura entre as décadas de 1960 e 1970 no Brasil. Lamentavelmente, algumas passagens e situações são muito atuais. A se lamentar, também, não ter uma edição atualizada há mais de 20 anos.


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domingo, 26 de maio de 2019

Review: Toda a Luz que Não Podemos Ver

Toda a Luz que Não Podemos Ver Toda a Luz que Não Podemos Ver by Anthony Doerr
My rating: 5 of 5 stars

O que a guerra representa para quem não decidiu iniciar o conflito? Ou que não pôde escolher não fazer parte dela? Esse é o tema central deste livro do norte-americano Anthony Doerr, que cruza as histórias de dois pré-adolescentes que vivem em países que se tornar "inimigos"na Segunda Guerra Mundial.
O autor constrói a narrativa em avanços e retrocessos no tempo ao longo do conflito. Fala muito pouco de episódios militares, e foca mais em seus personagens: civis, crianças, adolescentes e idosos, de donos de padaria a professores e estudiosos. Mesmo os soldados de "Toda a luz que não podemos ver", independentemente dos objetivos e motivação política de seus líderes, são apenas vítimas.
É um texto muito emotivo. Mantenha a caixa de lenços de papel ao alcance das mãos.

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quarta-feira, 1 de maio de 2019

Viagens de conhecimento

Obra tem apenas uma edição particular, por enquanto

Algumas escolas oferecem a seus alunos a oportunidade de aprender diretamente com a observação da natureza. E se uma família resolvesse oferecer essa experiência para seus filhos? Foi o que fez o casal Hidaka com seus dois pequenos filhos, e um a caminho.

A jornada da família é contada em "Uma vida, algumas viagens", que leva na capa o crédito do empresário Guilber Hidaka e do escritor Caio Peroni. Não é mais um relato do gênero "casal de empresários bem-sucedido larga tudo para viajar com os filhos pelo mundo". Os Hidaka buscam muito mais do que aventura.

O livro acompanha parte da experiência do casal que resolve instigar a curiosidade, despertar a coragem e a busca pelo conhecimento das crianças no contato íntimo com a natureza. Em paralelo, o livro relata a jornada de um idoso até um desfecho que o texto vai deixando suspeitar, mas é descrito com leveza e encanto.

A obra é voltada para o público infanto-juvenil, e conta com belas ilustrações de Paula Yamada. Em alguns momentos, porém, o texto fica um pouco rebuscado. Mas é o típico livro para ser lido por pais e filhos juntos.

"Uma vida, algumas viagens" tem 112 páginas e foi produzido e impresso em edição particular. Os Hidaka têm planos de lançá-lo por uma editora para o público em geral. 

domingo, 21 de abril de 2019

PollyannaPollyanna by Eleanor H. Porter
My rating: 2 of 5 stars

Ver-me sem nada para ler e com um livro gratuito no celular me levou a matar a curiosidade sobre a origem da expressão "ser Poliana". Bom, sabia que a origem era o livro "Pollyanna", nome de uma garotinha que exala otimismo. Mas ler o livro infantil de Eleanor H. Porter é diferente, uma experiência que não me agradou.
Gosto de vez ou outra ler um livro infantil ou infanto-juvenil, mas "Pollyanna" ficou abaixo de minhas expectativas. O "jogo" da menina órfã, de procurar o lado positivo nas piores situações e atitudes, mais do que justifica a fama da obra, a origem da expressão e as muitas adaptações feitas para TV, teatro e cinema. Mas achei o livro ruim. Pollyanna transita em um mundo de adultos amargurados e ressentidos, muitas vezes por se comportar de maneira mais infantil do que a menina. Com sua visão inocente, ela acaba sendo a mais madura em várias situações.
A autora emenda uma cena em outra para que Pollyanna chame as pessoas ao bom senso. Em mais de uma passagem, dá saltos de continuidade quando parece querer resolver logo uma situação e passar para outra. E termina a história de maneira abrupta.
Enfim, "Pollyanna" tem suas lições de moral e muita pieguice. Nada que minha avó não resumiria em uma frase quando eu não estava disposto a comer alguma coisa: "Pense em quantas crianças não tem nem isso para comer."


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sábado, 20 de abril de 2019

Outubro: História da Revolução RussaOutubro: História da Revolução Russa by China Miéville
My rating: 5 of 5 stars

O que leva um escritor de ficção-científica à aventura de escrever sobre a maior revolução socialista da história? É fácil entender quando se conhece um pouco mais sobre China Miéville. O inglês não é apenas um criativo autor de ficção weird, ou bizarra, mas também professor, acadêmico, político e militante de esquerda.

A partir de extensa documentação e bibliografia, em "Outubro: História da Revolução Russa" Miéville repassa os episódios a partir de abril de 1917, quando o czar Nicolau II é levado a renunciar diante da revolta de vários setores da sociedade - e seu irmão Miguel recusa-se a assumir em seu lugar. Seguem-se os capítulos que levam os nomes dos meses até outubro, quando os bolcheviques finalmente assumem o poder na Rússia.

Como em "Dez dias que abalaram o mundo", de John Reed, o autor relata o que acontece nas ruas e no interior de salões esfumaçados. Formam-se comitês de trabalhadores, soldados e representantes de diferentes etnias e de regiões remotas da Rússia. É um período absolutamente conturbado, em que o poder é disputado por várias correntes políticas e ao menos uma importante tentativa de contrarrevolução. No lado externo , o país sofre e perde centenas de milhares de soldados nas frentes de batalha da Segunda Guerra Mundial.

As semanas e meses se arrastam, com passeatas e manifestações mais ou menos violentas, encontros, reuniões, assembleias e conspirações. A violência política, a criminalidade e a fome avançam. Mas há registros pitorescos, como o relato sobre Lenin disfarçado com peruca e roupas de bêbado para evitar ser preso - ou pior - nas mãos de inimigos políticos, o poderoso cruzador Aurora impossibilitado de disparar em um momento crítico na revolução por falta de munição ou ainda uma decisiva lanterna vermelha que ninguém consegue encontrar.

"Outubro: História da Revolução Russa" resume um período fascinante da história. Como em "Dez dias que abalaram o mundo", de John Reed, muito se passa no interior de grandes salas e reuniões intermináveis, envolvendo muitos personagens. Longos trechos do relato se arrastam de um comício para uma assembleia e de lá para o encontro de um comitê. Mas não dá para parar de ler, ainda que o desfecho seja conhecido há um século.

Ajuda muito no fluxo da leitura o livro trazer ainda uma breve biografia de homens e mulheres que desempenharam diferentes papéis na disputa pelo poder, fotos de alguns dos protagonistas da revolução e extensa bibliografia para quem quiser se aprofundar no assunto.

Obra indispensável para conhecer esse período da história.

Em tempo: não consegui achar o livro impresso em várias livrarias (não cheguei a procurar em sebos). Mas a obra publicada pela editora Boitempo, com tradução de Heci Regina Candiani, está disponível no formato eletrônico.


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sábado, 6 de abril de 2019

Malagueta, Perus e BacanaçoMalagueta, Perus e Bacanaço by João Antônio
My rating: 5 of 5 stars

Alguém pode afirmar que conhece de fato a cidade onde vive? Saiu de seus caminhos e destinos habituais para conhecer os bairros de má reputação, a pobreza, a miséria conhecida apenas pelo noticiário da TV, as pessoas com as quais não se quer cruzar na calçada, aquelas que em grupos num shopping viram notícia?

Pois é uma São Paulo assim que João Antônio revela em "Malagueta, Perus e Bacanaço". Em nove contos, o livro acompanha a vida dos desfavorecidos, vagabundos e malandros da cidade no fim dos anos 1950 e início da década de 60. O autor usa a linguagem da periferia e a gíria da malandragem com propriedade, pois ele mesmo esteve muito próximo de seus personagens. Frequentou salões de sinuca onde se misturavam os "otários" que perdiam dinheiro para os jogadores de sinuca cheios de picardia, desocupados, prostitutas, alcoólatras e policiais corruptos.

João Antônio descreve uma São Paulo romântica, iluminada por lâmpadas de luz amarelada, onde "carros de preço" nem fazem parte da ambição dos operários de baixo salário e desocupados. A alternativa é andar, caminhar muito. Ou, quando as coisas estão melhores, pegar um "carro de praça". E o leitor é levado junto, por bairros conhecidos e ruas suspeitas de uma cidade onde as drogas da época eram a cachaça e a maconha, que deixava as pessoas "loucas".


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sábado, 9 de março de 2019

O Coração é um Caçador SolitárioO Coração é um Caçador Solitário by Carson McCullers
My rating: 5 of 5 stars

Cinco personagens protagonizam uma história capaz de despertar múltiplas emoções no leitor, da indignação com as injustiças sociais à identificação com atitudes de amizade e solidariedade. A narrativa em terceira pessoa traz o ponto de vista de quatro homens e uma pré-adolescente, pessoas que interagem em vários momentos do livro.

O surdo John Singer é o homem trabalhador e solitário resignado a "ouvir" pacientemente a todos, característica que faz dele figura central no romance, admirado e querido na cidade. Frequentador do restaurante do observador Biff Brannon, é no estabelecimento que Singer "resgata" o pregador marxista Jake Blount de uma bebedeira suicida. Leva-o para seu quarto na casa-pensão dos Kelly, onde a garota Mick vive a transição a caminho da adolescência entre os irmãos mais novos e os mais velhos. Benedict Copeland, um médico negro e idealista, completa o grupo de personagens principais.

Em comum, todos vivem a luta conta a pobreza em uma pequena cidade industrial do sul dos Estados Unidos. O país ainda está saindo da forte recessão, e chegam ecos da grande guerra na Europa e as atrocidades cometidas pelos nazistas em campos de concentração. Jake Blount é um andarilho determinado a despertar os trabalhadores de sua condição de explorados, enquanto o doutor Copeland vive em extrema modéstia oferecendo consultas gratuitas para os negros da cidade. O cenário geral é de miséria, e os discursos por justiça social são de deixar de cabelo em pé os leitores de pensamento mais conservador.

Se o enigmático John Singer cativa a atenção do leitor por sua aparente passividade silenciosa - um silêncio interrompido raras vezes por pequenos bilhetes - Mick é a personagem rebelde e adorável. Nela vemos muita da infância e puberdade da própria Carson McCullers. Nascida Lula Carson Smith, a autora foi ela mesma uma garota solitária e amante da música, dividida como Mick entre um "mundo de fora e um de dentro".

Título belíssimo tirado de um verso de William Sharp, "O coração é um caçador solitário" foi publicado quando Carson McCullers tinha apenas 23 anos de idade. É classificado como um romance gótico por seus personagens estranhos e rebeldes, mas esqueça qualquer associação desse adjetivo com a ideia de suspense ou sobrenatural. Muito embora o horror esteja presente em sua apresentação real, na forma de preconceito, violência racista, miséria e injustiça social.

De saúde frágil ao longo da vida, a autora morreria aos 50 anos. Sorte nossa leitores que sua obra não caia no esquecimento.


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Daughters of the Night SkyDaughters of the Night Sky by Aimie K. Runyan
My rating: 3 of 5 stars

Aimie K. Runyan só avisa no fim do livro, mas é muito transparente ao chamar a atenção para o fato de que não é especialista em Segunda Guerra Mundial ou aviação. Em "Daughters of the Night Sky", porém, oferece um relato muito fiel da participação das mulheres na resistência do Exército Vermelho durante o avanço das tropas nazistas sobre o território da antiga União Soviética.

Neste romance, o foco é a história de Katya Ivanova, uma jovem que se apaixona pela ideia de pilotar aviões. A resistência é grande, já a partir do momento em que a menina precisa ter contato na escola com matérias como física e matemática, reservadas aos garotos. A interferência da mãe de Katya é determinante, enquadrando o relutante professor no discurso de Stalin, favorável a condições iguais a homens e mulheres.

A questão dos direitos das mulheres perpassa toda a trama, em constantes conflitos com soldados e oficiais homens. Há relatos de assédio e estupro, mas também espaço para romance e momentos de grande amizade. Acredito que no intuito de pôr mais alguma dose de aventura na trama, Aimie K. Runyan escorrega ao criar um episódio que não condiz com o caráter da protagonista.

Apesar da ressalva da autora, a leitura deve agradar quem gosta de relatos sobre a Segunda Guerra. E não decepciona os admiradores da aviação. Desde a descrição do Polikarpov PO2, monomotor usado nos bombardeios em que Katya atua como navegadora, até as manobras em voo e atuação das equipes de mecânicas em terra, a narrativa é bem estimulante e fiel ao universo dos aviões.

"Daughters of the Night Sky" pode ser lido como complemento à "A guerra não tem rosto de mulher", de Svetlana Aleksiévitch, ainda a obra referência sobre a participação feminina no conflito.


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sábado, 16 de fevereiro de 2019

A casa das sombrasA casa das sombras by Patricia Highsmith
My rating: 4 of 5 stars

Nos onze contos que formam a coletânea "A casa das sombras" há muito pouco espaço para o criminoso comum. Com doses variadas de melancolia, Patricia Highsmith revela nessas narrativas até onde pessoas ou grupos de pessoas são capazes de ir, levados por frustração, tristeza, desespero ou maldade. Cidadãos acima de qualquer suspeita, "gente de bem" que, sem empunhar uma faca ou puxar o gatilho de um revólver, e pelas razões mais fúteis, acaba sendo responsável pela morte de alguém.

Nem todos os contos envolvem crimes, o tema pelo qual a autora se tornou mais conhecida na literatura, adaptações para rádio, teatro e cinema. Há sugestões de fantástico, como em "Pavores da cestaria" e no comovente "A pipa". A fragilidade do ser humano é dissecada pela autora, que usa seu texto direto para levar o leitor a uma tensão crescente. Ainda que ninguém morra em alguns relatos, a leitura termina com um riso nervoso.


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domingo, 10 de fevereiro de 2019

Ninguém nasce heróiNinguém nasce herói by Eric Novello
My rating: 4 of 5 stars

Entre as melhores revelações da safra recente de jovens escritores, Éric Novello oferece, com "Ninguém nasce herói", uma obra atualíssima que retrata uma sociedade distópica regida por um regime apoiado por ideias de fundamentalismo religioso. Sim, distopias estão na moda, e está aí o sucesso de Margaret Atwood e seu "Conto da aia" para provar.

Na linha de "qualquer semelhança com pessoas e situações reais é mera coincidência", porém, Novello ambienta seus bens construídos personagens em uma cidade de São Paulo onde um "escolhido" impõe doutrinas políticas e comportamentais retrógradas. Em todo o país, o regime é apoiado por grupos paramilitares que reprimem grupos de ativistas políticos com violência.

A trama é centrada na personalidade algo confusa de Chuvisco. Em alguns momentos, o protagonista perde-se entre a realidade e a interpretação de sua imaginação e criatividade exacerbadas, em uma narrativa recheada de toques de quadrinhos e cultura pop.

O autor leva a trama com tensão crescente, ação física e bons diálogos. O ritmo é quebrado em alguns momentos por longas discussões para resolução de “conflitos internos” do grupo de amigos. Trechos em que a obra se caracteriza por ser muito “jovial” e pouco “adulta”.

Vale a leitura desse romance atual. Até o leitor menos atento vai identificar situações, personagens e atitudes muito familiares. Que Eric Novello seja tão bom em suas previsões quanto na escrita.


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domingo, 20 de janeiro de 2019

My Dirty Dumb EyesMy Dirty Dumb Eyes by Lisa Hanawalt
My rating: 5 of 5 stars

Esqueça os animais fofinhos. Muito da obra da cartunista e escritora Lisa Hanawalt é baseada em animais antropoformizados: cabeças de gatos, corujas, lagartos, aves, cães e cavalos em corpos humanos. Muitos cavalos e cachorros! Não por acaso, a artista é produtora de "BoJack Horseman", a série de animação que mostra uma cáustica visão do mundo das celebridades.
E sátira e crítica social estão presentes em todas as páginas de "My dirty duma eyes", livro que reúne cartoons, quadrinhos, ilustrações e textos de Lisa. Nada escapa à sua visão crítica, de artistas da cultura pop, a moda, chefs de cozinha, reality shows, a cultura ao automóvel e até uma feira comercial de brinquedos.
Lisa também coloca seu traço colorido, irreverente e muitas vezes surrealista em críticas em texto e ilustrações que faz de filmes como "Planeta dos macacos", "Drive" ou "Cavalo de guerra". Há muito da vida da própria artista na obra, que não esconde do leitor várias passagens autobiográficas, algumas bastante íntimas.
A autora gosta muito de animais e chegou a declarar em uma entrevista que "eles já estão no nosso status", e que quando está com o olhar perdido "provavelmente estou pensando em cavalos ou cachorros". Eles são muito presentes, em meio a pessoas e situações corriqueiras, tudo temperado com humor ácido, irreverência, sexo e alguma porcaria.


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sábado, 5 de janeiro de 2019

Review: Natureza humana: justiça vs. poder - O debate entre Chomsky e Foucault

Natureza humana: justiça vs. poder - O debate entre Chomsky e Foucault Natureza humana: justiça vs. poder - O debate entre Chomsky e Foucault by Noam Chomsky
My rating: 4 of 5 stars

Profunda discussão entre os dois grandes pensadores sobre se há uma "natureza humana" nativa, mediada pelo filósofo holandês Fons Elders. O debate é denso, e evolui para uma discussão dinâmica sobre Justiça, Poder, legalidade e desobediência civil. Lembrando que o encontro entre os dois filósofos, em novembro de 1971, ocorreu no ápice da intervenção militar dos EUA no Vietnã, várias vezes lembrado durante o debate.

O encontro foi transmitido pela TV holandesa e está disponível com legendas em português no YouTube.



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