quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Histórias reais de horror

O livro é resultado de uma pesquisa de sete anos do autor

Caco Barcellos hoje é mais conhecido por seu trabalho à frente de Profissão Repórter, da TV Globo, mas sua carreira vem de longe. E um dos trabalhos de destaque é Rota 66 - A história da polícia que mata, livro-reportagem lançado em 1992.

É um obra mais do que atual, no momento em que a questão da segurança pública - ou a falta dela - está em pauta. O tema chamou a atenção de Barcellos desde a infância, ainda no Rio Grande do Sul, por conta de excessos da polícia. O autor destaca que a grande maioria dos policiais militares só recorre à violência extrema - o uso de armas de fogo - quando não há alternativa. 

Já vivendo em São Paulo, porém, em começo de carreira como jornalista, percebe um padrão de violência. O suspeito resiste à abordagem, reage a tiros, é baleado e levado pela viatura ao hospital, onde é declarado morto.

Esse relato se repete muitas vezes em jornais que dão grande espaço ao noticiário policial, como o extinto Notícias Populares. Barcellos nota também a repetição de alguns nomes de policiais envolvidos nos tiroteios. Todos da Rota.

Ficamos sabendo da origem da Polícia Militar paulista em 9 de abril de 1970, a partir da fusão da antiga Força Pública com a Polícia Civil. E que parte dos integrantes da Rota, recém-criado criado grupo de elite da PM, teve origem em organizações como a Oban, Operação Bandeirante, que combatia movimentos armados de esquerda e assaltos a banco. 

Muito antes de ser moda falar em jornalismo de dados, Caco Barcellos cria o seu Banco de Dados, e parte para um trabalho extraordinário. Ao longo de sete anos, pesquisa 22 anos de atividade da Polícia de São Paulo, entre 1970 e 1992. 

À revelia da má vontade das autoridades que dificultam seu acesso a documentos públicos, promove uma longa pesquisa, vasculhando arquivos desorganizados, em salas empoeiradas e até insalubres. Confronta os dados com os recortes de Notícias Populares e documentos da Polícia Civil e do Instituto Médico Legal.

Após a análise atenta de quase quatro mil casos, constata que ao menos dois terços dos mortos não tinham qualquer passagem pela polícia. Em muitos casos eram trabalhadores inocentes de qualquer acusação. Em geral, pessoas pobres da periferia, de pele parda ou negra, cujo maior pecado era estar no lugar errado na hora errada.

Caco Barcellos dá um rosto e uma história a casos que normalmente são apenas relatos frios nas páginas de jornais. Alguns episódios se destacam, como o do filho de um sargento da própria PM, morto após uma perseguição de carro. Ou o de Fernando Ramos da Silva. Jovem de origem humilde, ele foi escolhido pelo cineasta Hector Babenco para viver o papel principal em Pixote, a lei do mais fraco, filme de 1981. Não conseguiu se firmar na carreira de ator e, seis anos mais tarde, acabou morto pela polícia aos 19 anos de idade.

Em uma madrugada de abril de 1975, um grupo de jovens de classe média alta é flagrado por uma equipe da Rota furtando o toca-fitas do carro de um amigo. Segue-se uma perseguição policial por ruas de bairros nobres de São Paulo, descrita em detalhes por Caco Barcellos como se ele estivesse presente. Várias viaturas são envolvidas, até o cerco final do Fusca ocupado pelos rapazes e sua morte por rajadas de metralhadora.

É o episódio que dá título a esse livro. É uma das histórias de horror mais fortes que já li, porque a brutalidade é real, e os monstros existem. Um corajoso livro-reportagem que merece sua leitura.




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