On the Road, na estrada com os livros, traz resenhas, comentários, lançamentos, indicações de leitura e audiolivros, além de dicas gerais sobre o fascinante mundo da literatura. E uma pitada de seriados de TV e cultura pop.
Não havia ficado muito impressionado com “Fundação”,
o primeiro título da festejada trilogia de Isaac Asimov. Terminei a leitura com
uma sensação de confusão, sentindo saudades dos dilemas sobre inteligência artificial
apresentados nos contos do autor sobre robôs.
Mas gostei de “Fundação e Império”, onde a
trama político-social que envolve a galáxia ganha corpo e sentido. As forças se
movimentaram e o poder está em jogo, uma disputa que motiva à leitura do terceiro
volume, “Segunda Fundação”.
Sim, e em “Fundação e Império” finalmente
surge uma mulher, e ela tem um papel decisivo na trama. Mas ainda é preciso que
ela cumpra tarefas domiciliares. Asimov previu muita coisa, mas ao contrário de
seu profeta científico Hari Seldon, foi humanamente incapaz de antever todo o futuro.
A última adaptação da obra de Victor Hugo para o cinema
Um inverno rigoroso compromete o acesso de
um francês a seu único trabalho, o de podar árvores. O desespero para alimentar
a irmã viúva, mãe de sete filhos, o leva a roubar um pão. O homem é pego, e
condenado a cinco anos de trabalhos forçados. Começa aí a sina de Jean Valjean
e de seu antagonista Javert, o implacável representante da lei em um estado
onde o abismo social é cultivado pela indiferença das classes dominantes.
Os miseráveis é um obra grandiosa, no tamanho
físico e em sua amplitude. Victor Hugo dedicou mais de dez anos de sua vida à
sua realização, o que resultou o retrato de um sistema carcerário desumano em
meio a uma França em ebulição social e política. Publicado há exatos 154 anos –
com lançamento simultâneo no Brasil –, o livro chega a ter mais de duas mil
páginas em algumas edições. Destaque para a tradução de Frederico Ozanam Pessoa
de Barros feita para a editora Cosac & Naify em 2012, com mais de 800 notas
de rodapé que localizam o leitor ao apresentar personagens históricos, lugares
e episódios que serviram como referência para o autor.
E por que ler um livro que vai tomar ao
menos três meses de sua vida, quando há dezenas de versões no cinema e
impressas de forma condensadas? Porque o livro original extrapola totalmente a
mera sensação passada pelas mídias, digamos, mais populares, de ser uma obra de
aventura, a luta do bem contra o mal temperada com alguma crítica sobre as
injustiças sociais. Os miseráveis
contém tudo isso, e até momentos de pura comédia, mas também é uma portentosa
aula de história que permite compreender muitos dos conflitos enfrentados até
hoje pela sociedade humana.
Os dilemas de Jean Valjean têm como pano de
fundo as convulsões sociais e políticas da França no século 19, quando Paris
abrigava uma enorme população marginalizada, assolada pela pobreza e uma
epidemia de cólera. O autor oferece até uma extensa descrição dos esgotos da
capital francesa. Por que isso? É um dos motivos que valem cada minuto dedicado
à leitura dessa obra.
Victor Hugo investiu um bom tempo na região
de Waterloo, onde o exército de Napoleão sofreu uma derrota decisiva para a França
Imperial. Suas descrições para essa batalha e, mais tarde, as barricadas nas
ruas de Paris, nada ficam a dever aos textos dos melhores correspondentes de
guerra. O leitor é colocado em meio à angústia de soldados e generais.
Mesmo após cumprir sua pena, Jean Valjean é
rejeitado pela sociedade. Muda de nome e consegue tornar-se um industrial muito
bem sucedido, que oferece emprego e prosperidade para uma cidade inteira. É
quando toma para si a responsabilidade pelo destino da filha de uma mãe
solteira levada a se prostituir para garantir o sustento da menina. Origem da
trama romântica de Os miseráveis, Fantine e Cosette retratam a extrema
vulnerabilidade da mulher naquela sociedade.
Nada incomoda nessa obra? Sim, e não são as
extensas reflexões de Victor Hugo sobre o momento político e social. Me arrisco
levantando um questionamento em um clássico da literatura mundial, mas há
momentos em que o autor lembra o roteirista de uma novela de TV, e coloca
personagens exatamente no lugar em que ouvem uma conversa que “explica tudo”,
ou promove encontros improváveis em uma cidade que já abrigava quase 800 mil
habitantes.
Essas “coincidências” se repetem muitas
vezes e, claro, ajudam a desenvolver a trama. Era um recurso comum a autores da
época, como Alexandre Dumas, em que romances históricos como Os três mosqueteiros
eram publicados como folhetins nos jornais. Não tira o menor brilho da obra de
Victor Hugo, mas fica registrada a curiosidade.
Vale a leitura? Não pense duas vezes. Serão
três meses inesquecíveis de sua vida de leitor.