sábado, 23 de abril de 2016

Fundação me conquistou

Surge a primeira mulher na trama

Não havia ficado muito impressionado com “Fundação”, o primeiro título da festejada trilogia de Isaac Asimov. Terminei a leitura com uma sensação de confusão, sentindo saudades dos dilemas sobre inteligência artificial apresentados nos contos do autor sobre robôs.

Mas gostei de “Fundação e Império”, onde a trama político-social que envolve a galáxia ganha corpo e sentido. As forças se movimentaram e o poder está em jogo, uma disputa que motiva à leitura do terceiro volume, “Segunda Fundação”.


Sim, e em “Fundação e Império” finalmente surge uma mulher, e ela tem um papel decisivo na trama. Mas ainda é preciso que ela cumpra tarefas domiciliares. Asimov previu muita coisa, mas ao contrário de seu profeta científico Hari Seldon, foi humanamente incapaz de antever todo o futuro.

domingo, 10 de abril de 2016

"Os miseráveis" vale cada minuto do seu tempo

A última adaptação da obra de Victor Hugo para o cinema
Um inverno rigoroso compromete o acesso de um francês a seu único trabalho, o de podar árvores. O desespero para alimentar a irmã viúva, mãe de sete filhos, o leva a roubar um pão. O homem é pego, e condenado a cinco anos de trabalhos forçados. Começa aí a sina de Jean Valjean e de seu antagonista Javert, o implacável representante da lei em um estado onde o abismo social é cultivado pela indiferença das classes dominantes.

Os miseráveis é um obra grandiosa, no tamanho físico e em sua amplitude. Victor Hugo dedicou mais de dez anos de sua vida à sua realização, o que resultou o retrato de um sistema carcerário desumano em meio a uma França em ebulição social e política. Publicado há exatos 154 anos – com lançamento simultâneo no Brasil –, o livro chega a ter mais de duas mil páginas em algumas edições. Destaque para a tradução de Frederico Ozanam Pessoa de Barros feita para a editora Cosac & Naify em 2012, com mais de 800 notas de rodapé que localizam o leitor ao apresentar personagens históricos, lugares e episódios que serviram como referência para o autor.

E por que ler um livro que vai tomar ao menos três meses de sua vida, quando há dezenas de versões no cinema e impressas de forma condensadas? Porque o livro original extrapola totalmente a mera sensação passada pelas mídias, digamos, mais populares, de ser uma obra de aventura, a luta do bem contra o mal temperada com alguma crítica sobre as injustiças sociais. Os miseráveis contém tudo isso, e até momentos de pura comédia, mas também é uma portentosa aula de história que permite compreender muitos dos conflitos enfrentados até hoje pela sociedade humana.

Os dilemas de Jean Valjean têm como pano de fundo as convulsões sociais e políticas da França no século 19, quando Paris abrigava uma enorme população marginalizada, assolada pela pobreza e uma epidemia de cólera. O autor oferece até uma extensa descrição dos esgotos da capital francesa. Por que isso? É um dos motivos que valem cada minuto dedicado à leitura dessa obra.

Victor Hugo investiu um bom tempo na região de Waterloo, onde o exército de Napoleão sofreu uma derrota decisiva para a França Imperial. Suas descrições para essa batalha e, mais tarde, as barricadas nas ruas de Paris, nada ficam a dever aos textos dos melhores correspondentes de guerra. O leitor é colocado em meio à angústia de soldados e generais.

Mesmo após cumprir sua pena, Jean Valjean é rejeitado pela sociedade. Muda de nome e consegue tornar-se um industrial muito bem sucedido, que oferece emprego e prosperidade para uma cidade inteira. É quando toma para si a responsabilidade pelo destino da filha de uma mãe solteira levada a se prostituir para garantir o sustento da menina. Origem da trama romântica de Os miseráveis, Fantine e Cosette retratam a extrema vulnerabilidade da mulher naquela sociedade.

Nada incomoda nessa obra? Sim, e não são as extensas reflexões de Victor Hugo sobre o momento político e social. Me arrisco levantando um questionamento em um clássico da literatura mundial, mas há momentos em que o autor lembra o roteirista de uma novela de TV, e coloca personagens exatamente no lugar em que ouvem uma conversa que “explica tudo”, ou promove encontros improváveis em uma cidade que já abrigava quase 800 mil habitantes.

Essas “coincidências” se repetem muitas vezes e, claro, ajudam a desenvolver a trama. Era um recurso comum a autores da época, como Alexandre Dumas, em que romances históricos como Os três mosqueteiros eram publicados como folhetins nos jornais. Não tira o menor brilho da obra de Victor Hugo, mas fica registrada a curiosidade.


Vale a leitura? Não pense duas vezes. Serão três meses inesquecíveis de sua vida de leitor.