sábado, 26 de setembro de 2015

Para amar. Ou nem começar a ler

Alguma edições reuniram os quatro títulos da saga

As brumas de Avalon fez um enorme sucesso quando foi lançado, há pouco mais de 30 anos. Ficou semanas entre os mais vendidos do The New York Times, despertou grande interesse também no Brasil e virou longa metragem no cinema. Agora que sagas caíram nas graças dos leitores, era mais do que tempo de ler minha edição que ficou aguardando todo esse tempo na estante.

E não gostei do que li.

Marion Zimmer Bradley já era conhecida por leitores de ficção científica quando resolveu partir para uma visão nova de Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda. E recontar a lenda sob o ponto de vista feminino foi sua grande sacada. A fascinante e poderosa espada Excalibur esteve sempre associada ao universo masculino, aos bravos guerreiros como Uthar Pendragon, Arthur, Lancelote e Cai. Mas e as mulheres nessa história?

Morgaine, Gwenhwyfar, Igraine, Morgoise, Raven e tantas outras nobres e sacerdotisas, mais do que ganhar voz, tornam-se protagonistas de momentos-chave e determinam os rumos da saga. Agentes ou vítimas das ações, envolvem-se em tramas políticas, golpes, discussões teológicas, adultério, magia e assassinato.

As brumas de Avalon - título ótimo e inspirado para a obra - na verdade reúne quatro livros: A senhora da magia, A grande rainha, O gamo rei e O prisioneiro da árvore. Dependendo da edição (um ou quatro volumes), são de 800 a mais de mil páginas, espaço suficiente para a autora se perder em diálogos intermináveis e repetitivos.

As ondas de invasão dos saxões às ilhas britânicas provocou a saída do decadente Império Romano entre os anos 400 e 500, deixando a resistência por conta dos nativos bretões. Esse é o pano de fundo militar para As brumas de Avalon. Mas há pouquíssima ação. Embora seja um período de batalhas constantes, a autora opta por descrever apenas combates em festivais. Porque ali as mulheres estão presentes e sofrendo por seus filhos e amantes.

O conflito mais interessante fica por conta da disputa entre os que abraçaram o cristianismo trazido pelos romanos e os que ainda seguiam antigas religiões pagãs, seus druidas e sacerdotisas.
Avalon, uma ilha lendária, era o centro e abrigo das antigas crenças, onde é feita a doutrina de Morgaine, mulher independente e determinada. Sua grande antagonista é Gwenhwyfar, retratada como uma católica fundamentalista e de caráter fraco.

Guerra e conflito religioso já segurariam uma excelente trama, porém Marion Bradley inclui incesto, eutanásia e homossexualismo. Fica fortemente sugerida (no mínimo) uma atração entre Lancelote e Arthur, e Morgaine e Raven, sacerdotisa de Avalon que fez voto de silêncio. Alguns momentos trazem uma boa carga de erotismo. O melhor momento do livro é quando sexo se mescla à magia em uma trama de vingança.

Por que, então, com tantos elementos e calcado em uma lenda fascinante, As brumas de Avalon talvez não mereça seu tempo? Com certeza, não porque as muitas e repetitivas sagas à venda hoje sejam melhores, mas porque Marion Bradley arrasta demais seu texto. A autora, em muitas ocasiões, parece estar escrevendo o roteiro de uma novela fraca que precisa ficar dez meses no ar - e não tem conteúdo para seis. Os quatro livros que compões a obra poderiam ser dois.

As mulheres - que supostamente deveriam ser fortes nessa versão da lenda - perdem-se em reflexões sobre culpa e arrependimento. Pensam que querem muito algo (ou alguém), para no momento seguinte sofrer com o pensamento. Guinadas de amor para ódio - e vice-versa - são frequentes. Os romanos foram embora da Bretanha, mas deixaram a culpa cristã como herança.

domingo, 20 de setembro de 2015

Pinhead está nas livrarias

Pinhead, um dos personagens mais assustadores da literatura de horror

Vampiros, lobisomens, mortos-vivos e múmias frequentam a imaginação das pessoas muito antes de a literatura fantástica se popularizar. Mitos antigos, esses seres ganharam relevância com a obra de Bram Stocker, Mary Shelley e o cinema. Mas os Cenobitas de Clive Barker, com suas cicatrizes, mutilações e perversidade, inovaram o gênero horror. "Eu vi o futuro do Horror... E seu nome é Clive Barker", disse Stephen King, em uma declaração muitas vezes citada.

O responsável por todo esse impacto é Pinhead, pálido, grotesco e cruel líder dos Cenobitas em The hellbound heart, novela que acabou originando uma série de filmes. O primeiro deles, Hellraiser - Renascido do Inferno, teve roteiro e direção do próprio Clive Barker. Assistir ao filme de 1987 hoje é estranhar roupas e penteados, mas Hellreiser é uma história que não envelhece.

A trama gira em torno de um cubo sugestivamente conhecido como Configuração do Lamento. Em troca da alma do interessado, decifrar o enigma do cubo abre portais para prazeres sem limites. Abre também caminho para a entrada dos Cenobitas, em uma dimensão onde dor e prazer, sensualidade e sadomasoquismo se confundem. Queira a pessoa que manipulou o cubo ou não. Não há espaço para arrependimentos.

Renascido do inferno resultou uma sequência de sete filmes no total, várias histórias em quadrinhos, inspirou outros artistas, personagens de cinema e bandas de rock. Mas, surpresa, a novela original só consegui achar em inglês. A editora Civilização Brasileira lançou os Livros de Sangue de Barker nos anos 1990, mas só agora a editora Darkside põe no mercado Hellraiser - Renascido do Inferno, no trigésimo aniversário do lançamento do título.

A "edição para colecionador" tem capa dura e custa R$ 49,90
Como tem sido característico da editora, o livro de 160 páginas chega em duas apresentações, brochura e capa dura, com tradução de Alexandre Callari. 

Ouvi recentemente uma entrevista com Clive Barker, recuperado após um longo período em coma, resultante de uma ida ao dentista. Voz abatida, traduzindo um enorme esforço para falar, o inglês de 62 anos de idade que elegeu Los Angeles como casa, mantém uma coleção de cobras, aranhas e ratos. Quanto dessas excentricidades alimentam sua imaginação eu não sei, mas quem gosta do gênero Horror precisa ler sua obra.

sábado, 12 de setembro de 2015

Poema em quadrinhos

Dino Buzzati convida a revisitar o mito de Orfeu e Eurídice
Dino Buzzati confessou certa vez sua frustração por não ter sido reconhecido como artista plástico. Não deixou por menos: além de seus contos e novelas fascinantes, deixou Poema em quadrinhos, em que, através dos personagens Orfi e Eura, recria o trágico mito de Orfeu e Eurídice, da antiga Grécia.

Orfi desce ao mundo dos mortos em busca de sua amada. Lá, encontra o Diabo representado de maneira muito original por Buzzati, sofre tentações, experimenta reflexões e, como no mito grego original, se vale de seu talento musical.

Jornalista e escritor, Buzzati mata sua vontade e faz literatura gráfica de alta qualidade, recontando o antigo mito com trechos e traços que vão do pop ao surrealismo, temperado com erotismo e alguns momentos no estilo de Robert Crumb. Apaixonado pelas montanhas e alpinista praticante, o italiano de Belluno inclui até um momento em que os personagens fazem uma travessia em uma parede de rocha.

A capa segue a linha da provocação do autor
Lançado em 1969, Poema e quadrinhos foi editado no Brasil pela  Cosac Naify em 2010, com tradução de Eduardo Sterzi e uma provocante capa rosa de Maria Carolina Sampaio.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Relatos de amargura

Leitura de preferência para quem não está em depressão

Escritora premiada, professora universitária de prestígio, cotada para o Nobel de Literatura, Joyce Carol Oates ainda encontra tempo para ser muito produtiva: publicou mais de 40 obras desde 1963, quando seu primeiro livro foi lançado. É também uma boa demonstração de que quantidade não equivale a qualidade.

Sourland foi lançado em 2010, e preserva as principais características de Oates: textos muito bem escritos que dissecam os sentimentos mais profundos dos personagens. Mas os 16 contos do livro não estão entre os melhores da autora.

Mais uma vez, os personagens centrais são mulheres, e as histórias envolvem violência sexual. Impossível não notar a inspiração na obra de Shilrley Jackson, autora, entre outros, do clássico The hounting of hill houseOates é admiradora confessa da escritora morta em 1964, e editora do seu volume na coleção The library of America

Oates é dona de um estilo mórbido, violento e chocante, como quando constrói o momento de um estupro, a transição de uma cena doméstica banal em torno de um copo de vinho para a violência despertando no comportamento psicótico do atacante.

Há muita criatividade envolvida nas histórias, como uma assustadora "aparição" de uma cabeça de abóbora. Mas as narrativas são repetitivas, e algumas tramas são pouco conclusivas.

Sourland é para aqueles fãs incondicionais que fazem questão de ler tudo de seu autor preferido. Mas há obras mais indicadas para quem ainda não conhece Joyce Carol Oates, como Mulher de barro e Descanse em paz, este reunindo relatos sobre os últimos dias de cinco grande escritores.