sábado, 28 de fevereiro de 2015

Além de Star Trek


Leonard Nimoy em "Quinta dimensão"

Jornada nas Estrelas foi um seriado que me fascinou na pré-adolescência, e o Senhor Spock, o herói favorito. Claro, Kirk podia distribuir socos para todos os lados, mas quem não queria ser inteligente, cool e apagar os adversários com um apertão na clavícula? Eu queria, mesmo que tivesse de ter orelhas pontudas.


Antes das aventuras da Enterprise, porém, ficção científica já frequentava a TV de casa. E lá estava Leonard Nimoy. Na fascinante The Twilight Zone (no Brasil, Além da Imaginação), de Rod Serling, Nimoy interpreta o soldado Hansen em A Quality of Mercy, exibido em dezembro de 1961, na terceira temporada da série. O episódio original, de 25 minutos, pode ser assistido na internet.

O soldado Hansen, em uma ilha do Pacífico, no último dia da Segunda Guerra Mundial

Leonard Nimoy atuou em muitos seriados, e outro marcante para mim foi The Outer Limits, exibido na TV brasileira como Quinta Dimensão. Foram dois episódios: Production and Decay of Strange Particles, de abril de 1964, trata do fantasma das consequências de um acidente nuclear. Já I, Robot (novembro de 1964), aborda a relação da inteligência artificial com os homens. A antologia de contos Eu, robô, de Isaac Asimov, fora lançada em 1950. E os dois temas continuam atuais.
Fãs de Star Wars podem estar um pouco receosos com o que J.J. Abrams está fazendo com o filme da saga a ser lançado no fim deste ano. Fãs de Jornada nas Estrelas não têm muito o que reclamar do cineasta: a retomada do título no cinema foi bacana, e quem acompanhou Fringe teve oportunidade de ver no cientista William Bell uma despedida à altura da carreira de Leonard Nimoy nos seriados de TV.




O elenco da série original Jornada nas Estrelas junto ao ônibus espacial batizado de Enterprise em homenagem à nave mais famosa da TV. A foto da NASA é de 1976. Leonard Nimoy está no centro

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

The killing

O desafio: buscar pistas sem prejulgamentos e preconceitos
Um serial killer pode ser executado à margem da lei? Um bandido pode ser legalmente executado pelo estado sem ser de fato o culpado pelo crime que o condenou à pena de morte?

Esses são apenas alguns dos dilemas morais com que você será confrontado por The killing, seriado em 44 episódios apresentados em quatro temporadas entre 2011 e 2014, em canais de TV paga no Brasil e agora disponível na Netflix. The killing é a versão produzida nos EUA, baseada no seriado dinamarquês Forbrydelsen, que foi ao ar entre 2007 e 2012 em 40 episódios.

Não se trata de só mais uma dupla de detetives investigando crimes em uma cidade grande, no caso Seattle, no estado de Washington, EUA. Como não se trata também de mais uma série revelando o submundo oculto do cotidiano de trabalhadores cidadãos "de bem". Muitos desses cidadãos podem não ser tão insuspeitos.

Há outras camadas em The killing, expondo a falência da sociedade diante do problema das drogas, o jogo político-eleitoral, o impacto do crime em uma família, as motivações de um policial envolvido em uma investigação. Ou como julgamentos precipitados podem levar a injustiças.

Não vi a série original da Dinamarca, também exibida em TV paga. Há quem a prefira, mas The killing também foi muito reconhecida por crítica, público e recebeu vários prêmios.

Para ser feita nos EUA pela produtora canadense Veena Sud, deram um tom escandinavo com a contratação de Joel Kinnaman, ator sueco radicado na América do Norte. No papel de Stephen Holder, um  policial tentando se livrar do vício em metanfetamina (alô, Heisenberg!), ele faz dupla com a detetive Sarah Linden, interpretada pela boa atriz Mireille Enos.

Aqui, vale ressaltar a originalidade dos produtores de The killing, ao ter a coragem de escalar uma mulher quase feia - a maquiagem enfatiza os traços menos favoráveis de Mireille -, que ainda usa roupas nada elegantes, tem um andar desajeitado e dispensa o cabelinho escorrido característico das heroínas da TV em prol de um rabo de cavalo feioso.

The killing - e Forbrydelsen, garante quem assistiu - honra a tradição de romances policiais produzidos nos países escandinavos, fenômeno exposto pelo sucesso da trilogia Millenium, do sueco Stieg Larsson. Sua biografia, escrita por Jan-Erik Pettersson, amigo do autor, acaba sendo um grande retrato da enorme produção de romances policiais na Suécia, na Noruega e na Dinamarca.

Em tempo: Millenium terá a sequência de um quarto livro, dos dez que Stieg Larsson, prematuramente morto, planejara. A biografia escrita por Pettersson não é completa. Mas quem tem admiração pelo jornalista e escritor sueco pode conferir na edição em português, de 2010, da Companhia das Letras.

Sarah Lund, a detetive do seriado original dinamarquês Forbrydelsen




sábado, 21 de fevereiro de 2015

Shadow reading

O título foi lançado no Brasil pela L&PM

Já comentei aqui como migrando de podcasts sobre literatura cheguei ao Booktube, um universo de apaixonados comentaristas sobre livros e leitura no Youtube. Um dos canais de destaque é o Tiny Little Things, de Tatiana Feltrin. Professora de inglês, ela dá uma bela explicação sobre o shadow reading, uma técnica que mescla o prazer da leitura com um eficiente reforço no estudo do idioma.

Basicamente, é preciso ter o livro no original em inglês e sua versão em áudio. Primeiro, ouve-se o texto acompanhando o impresso; depois, apenas escuta-se a narração. Por fim, o mesmo trecho é ouvido uma terceira vez, ao mesmo tempo em que se lê o texto em voz alta.

Tatiana exibe como exemplo Touching the void, um impressionante relato de sobrevivência nos Andes peruanos (foi lançado em português como Tocando o vazio. A edição mostrada por ela é da Macmillan Readers: o livro em inglês vem acompanhando pelo CD. Mas vale acrescentar que há milhares de audiobooks, muitos deles vendidos com preço especial para quem compra áudio e ebook juntos na Audible/Amazon. Procurando, é possível achar clássicos em áudio.

A experiência é interessante. Comecei esta semana com Big Sur, de Jack Kerouac, narrado por Tom Parker (um dos pseudônimos de Grover Gardner, uma das "vozes de ouro" da Audible. Talvez não tenha sido a melhor escolha, pelo estilo e linguagem do autor beatnik, mas rapidamente a leitura-audição tornou-se estimulante.
Comento mais à frente sobre esse livro.


Big Sur é narrado por uma das melhores vozes da locução profissional


terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O mestre do indizível

A capa da biografia entrega muito de Lovecraft, um autor totalmente misturado à sua obra

Escritores que morrem antes de serem reconhecidos fora de seu círculo de amigos mais próximos e chegam a passar fome, para anos ou décadas depois seu trabalho se converter em uma mina de dinheiro nas mãos de desconhecidos, são personagens comuns na história da literatura. Howard Phillips Lovecraft não escapou a essa sina.
Muito do que se vê hoje no cinema e na TV, lê nos livros, quadrinhos e mangás, ouve na música ou mesmo joga em games nasceu em sua mente intrigante. Autores como Alan Moore e Stephen King confessam inspiração livre no trabalho sombrio de Lovecraft, que ganhou uma biografia assinada por S.T. Joshi. Nascido na Índia e radicado nos Estados Unidos, Sunand Tryambak Joshi é um estudioso e admirador da obra do autor. A vida de H. P. Lovecraft foi lançada no final do ano passado em português pela editora Hedra, com venda exclusiva na Livraria Cultura.
Trabalho competente, a biografia é toda referenciada com notas ao fim de cada capítulo. Em alguns trechos, o texto aprofunda o relato da vida de Lovecraft com um tom um tanto acadêmico, mas embora a fluência da leitura perca o ritmo, a construção psicológica e social do autor ganha muito em consistência.
Garoto mimado pela mãe e pelas tias em sua amada cidade de Providence, Lovecraft foi precoce em muitas coisas: na perda do pai, na alfabetização e interesse pela poesia, nas leituras de Edgar Allan Poe e da Balada do Velho Marinheiro aos 6 anos de idade, na rejeição à educação religiosa e ao ensino formal.
Ainda menino, o autor produzia, imprimia e vendia pequenas publicações com artigos e poesias. O que se converteu nos fanzines dos anos 1970 e 1980, e nos blogs de hoje, Lovecraft e seus amigos praticavam nos idos de 1900. Ao longo de sua breve vida, ele participou de ativos grupos de imprensa amadora que promoviam a impressão e publicação de trabalhos com recursos caseiros.
Lovecraft gostava tanto de Química que montou um laboratório em casa. E se apaixonou pela Astronomia: frequentou um observatório por um tempo, escreveu sobre o assunto e chegou a ter três telescópios em casa. Quanto dessa observação, o estudo do cosmos e revelações científicas como as teorias da Relatividade e Quântica influenciaram sua obra vai sendo revelado no atento e documentado retrato que Joshi traça.
O autor sentia-se insignificante diante do universo, sentimento que transferia para toda a humanidade. Daí resultam perturbadoras sequências oníricas e criaturas indescritíveis que transcreve de sua imaginação para o papel em histórias ora recusadas, ora remuneradas por centavos de dólar por palavra.
Quando recebia alguma coisa pela venda para revistas populares - as pulp fictions - Lovecraft mal conseguia pagar suas contas. Mas não abria mão de seu maior prazer: viajar e fazer longas caminhadas por bairros e cidades de arquitetura colonial.
A obra do autor, morto em 1937 aos 46 anos, foi descoberta aos poucos. E, embora composta por contos de qualidade desigual, vem ganhando antologias, edições ilustradas e comentadas. No Brasil, nos anos 1980, antologias foram publicadas pela editora Francisco Alves; a editora Iluminuras publicou outras nos anos 2000. Agora a Hedra vem lançando vários títulos. 
Caprichadas edições especiais, publicadas principalmente nos EUA, têm chegado às boas livrarias daqui. Mas procure. Num domingo, vi um exemplar de The new annotated H. P. Lovecraft, com prefácio do Alan Moore, na vitrine da Livraria Cultura no Bourbon shopping. A qualidade do livro me chamou a atenção, o preço era ótimo, mas parecia haver apenas aquele, com uma etiqueta colada que rasgaria a capa. A atendente da loja bem que tentou. Mas havia outro exemplar, a moça atenciosa descobriu. Estaria na seção Geek, ali mesmo, no mezanino. Loja cheia, me aventurei sozinho, e fui descobrir o volume escondido atrás de uma fileira de mangás, na prateleira junto ao piso, invisível para quem estava de pé.
Procurem, leitores contemporâneos. Esse é um privilégio nosso.
Lovecraft não chegou a ver um livro seu encadernado em capa dura. 


Este eu quase não encontro


sábado, 14 de fevereiro de 2015

Quer mesmo ir para Marte?

Vida de astronauta está longe de ser fácil
Mais de 10 mil brasileiros se inscreveram para uma viagem sem volta. O destino é o planeta Marte, distante no mínimo 60 milhões de km da Terra. No total, mais de 200 mil pessoas de 140 países se candidataram a uma vaga no projeto de colonização organizado pela empresa Mars One, da Holanda. A partida da viagem de sete meses está prevista para 2022. Os 24 voluntários escolhidos terão como missão colonizar o planeta, onde até hoje chegaram apenas sondas robotizadas.

Não sei quantas dessas pessoas leram Packing for Mars: The Curious Science of Life in the Void, publicado no Brasil pela Editora Paralela como Próxima parada: Marte - curiosidades sobre a vida no espaço, de Mary Roach. Jornalista dos Estados Unidos, a autora explora abordagens originais sobre temas científicos. Apura muitas informações, se envolve pessoalmente, escreve bem e com humor.


O título em português chegou em 2013, três anos depois do original

Para Packing for Mars, Mary entrevistou astronautas, agências espaciais, estudiosos da vida em ambientes sem gravidade e participou de simulações de convívio em isolamento. O texto mostra um lado pouco explorado dos super-heróis espaciais, elite que, no fim das contas, continua sendo formada por seres humanos: enjoam, reclamam de comida que não varia e tem de ir ao banheiro.

Você fica sabendo, entre outras coisas, que roncar ou ter mau hálito são nota de corte para quem sonha ser astronauta. Ou como a sensação de "queda" constante, a mais de 28 mil km/h, mexe com a cabeça das pessoas em órbita durante os "passeios espaciais". E como uma viagem longa, como ir para Marte, vai acrescentar novos desafios psicológicos. Afinal, estando em órbita os astronautas estão vendo a Terra. Ao se afastar, vão mergulhar na escuridão.

Ainda menino, ficava fascinado com as imagens de astronautas semideitados em suas diminutas cápsulas, depois quando eram recolhidos pelo resgate em mares revoltos. Eu desenhava os foguetes, e fazia de um armário embutido minha cápsula: punha as pernas sobre o gaveteiro, fechava a porta e viajava pela galáxia. Boa fantasia de criança, mas não tão criativa que me fizesse chegar nem remotamente perto dos desconfortos descritos em Packing for Mars. Que bom.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Bibliotecas na rua

Na entrada de um sobradão em uma rua de São Francisco...
... uma biblioteca pública, para quem estiver passando pegar um livro. Ou deixar

Alguém um dia teve a ideia inspirada: por que não montar uma biblioteca com meia dúzia de livros no espaço mal aproveitado do cubículo usado para guardar vassouras e material de limpeza. Foi em um conjunto residencial de prédios de quatro andares, sem elevador, com apartamentos de 45 metros quadrados, na zona sul da cidade de São Paulo.

Vivia lá um amigo meu, leitor voraz (e, melhor, daqueles que lê, conserva e devolve o livro emprestado). A iniciativa foi um sucesso. Claro que logo muitos moradores viram a oportunidade para desovar livros escolares já superados sem sentir culpa. Mas também surgiu uma comunidade de leitores que lá dispunham e retiravam livros. E todos passaram a ler mais.

Por qualquer razão menos inspirada, a "biblioteca" foi desativada. E a comunidade dissolveu-se. Cada um por si, que compre, dê um jeito de obter suas leituras. E as crianças e adolescentes entediados durante as férias perderam o estímulo oferecido por aquele cubículo recheado de magia e tramas.

Há poucos meses, aproveitei para emendar uma viagem a trabalho e me dei de presente de aniversário dois dias na cidade de São Francisco, na Califórnia. Queria muito conhecer uma livraria, mas sobre isso escrevo depois.

Caminhando por uma longa rua residencial arborizada, Jackson Street, à certa altura percebi uma caixa vermelha de tamanho incomum para receber correspondência, com a frente envidraçada, diante de uma casa de dois andares.
Parecia... e era! Uma pequena estante de uma só prateleira, sem fechadura e um letreiro muito direto e simples:

Jackson Street Mini Library
Leave a book Take a book Leave the Cabinet

Sei que há muitas pequenas bibliotecas assim, adaptadas em lugares como cabines telefônicas, pontos de ônibus e até árvores em Berlin. Tenho visto intervenções interessantes e criativas no Pinterest. Mas aquela caixinha vermelha, com menos de 30 livros, instalada por uma leitora ou leitor caprichoso sobre o murinho de sua casa, para quem quiser pegar e ler, valeu a longa caminhada daquele dia.

Compartilhar cultura e uma boa leitura não é tão difícil assim. Basta um pouquinho de boa vontade. E um pequeno cubículo onde se guarda vassouras.