sexta-feira, 3 de novembro de 2017

O pesadelo da história

A obra foi transformada em série para o serviço de vídeo sob demanda Hulu

O mais assustador do livro "O conto da aia", de Margaret Atwood, não é o clima sombrio que perpassa toda a trama, mas a sensação sempre presente de que as situações descritas poderiam de fato ser reais. E são, segundo costuma afirmar a própria autora em entrevistas.

A canadense Margaret Atwood, hoje com 77 anos de idade, viveu parte de sua vida "do outro lado" do que se convencionou chamar de Cortina de Ferro, o bloco de países além do muro de Berlin sob influência da extinta União Soviética. O medo constante de falar algo inadequado a um possível espião do regime, as conversas sussurradas e o risco de uma delação eram sombras onipresentes na vida das pessoas.

A touca "tapa-olhos" usada por Jane/Offred, protagonista vivida pela atriz Elisabeth Moss, o regime teocrático e autoritário e a prática de manter mulheres na função de reprodutoras para gerar e parir crianças que serão "filhos" de casais de uma elite infértil são práticas já experimentadas por grupos sociais ao longo da história, ou ainda em vigor em determinadas localidades.

"O conto da aia" ("The handmaid's tale") foi lançado em 1985 e, embora Margaret Atwood seja uma escritora premiada, a obra tornou-se um grande sucesso de vendas - e uma muito bem executada série no serviço de video-streaming Hulu - apenas nos últimos dois anos. A razão é o público ter começado a perceber semelhanças entre a obra de ficção e a onda conservadora que se manifesta em diferentes regiões do planeta, com a ascensão ao poder de instituições, políticos e grupos religiosos de discurso  reacionário. 

Margaret Atwood não se declara propriamente militante feminista, mas sua obra em geral e "O conto da aia" em particular põem em foco condições e ambientes de opressão às mulheres. Mais do que isso, retratam sociedades repressivas, às vezes movidas por fundamentalismo religioso. Qualquer semelhança com a história não é mera coincidência.