sábado, 31 de dezembro de 2016

Alien: Out of the Shadows: An Audible Original DramaAlien: Out of the Shadows: An Audible Original Drama by Tim Lebbon
My rating: 5 of 5 stars

Em uma dramatização perfeita, o relato do que ocorre quando Ripley é resgatada, 35 anos após escapar viva de seu encontro com os alienígenas na nave Nostromo. A bordo de duas naves de apoio à mineração em um planeta distante, ela se vê novamente às voltas com seu pior pesadelo. A reprodução da atmosfera do filme Original "Alien" é ótima, tanto nos diálogos, cenas e descrição dos cenários. A sonoplastia é excelente.



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sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

A morte de Hercule Poirot

A morte do detetive teve obituário no New York Times
É possível manter o interesse quando já se sabe que o personagem principal estará morto no desfecho de um romance policial? Se a vítima é Hercule Poirot e a autora é Agatha Christie, sem dúvida. Embora anunciada na capa como "o último caso" do famoso detetive belga,  a trama atraiu a atenção dos incontáveis fãs da escritora inglesa - uma dos autores mais vendidos do mundo -, interessados em saber como seria a despedida de seu herói.

A trama é narrada por Arthur Hastings, velho companheiro de Poirot. Ambos voltam ao local de um antigo crime, descrito em "O misterioso caso de Styles", novela de estreia de Agatha Christie, publicada em 1920. 

O romance tem os exageros característicos da obra de Agatha Christie, como a concentração de assassinatos em uma só lugar, múltiplos suspeitos e motivações. Mas, embora não seja a obra preferida da própria autora, é interessante porque ela teve a coragem de matar seu famoso detetive Hercule Poirot, coisa que o contrariado Arthur Conan Doyle, seu conterrâneo, não pode fazer com Sherlock Holmes. Doyle tornou-se um escritor a serviço de um personagem. 

"Cai o pano" foi escrito em 1940, mas os originais ficaram trancados em um cofre de banco por mais de três décadas. autora  tinha medo de morrer durante a Segunda Guerra Mundial e deixar seus leitores sem um desfecho para seu herói. Agatha Christie autorizou a publicação de "Cai o pano" apenas em setembro de 1974. O livro foi lançado no Brasil no ano seguinte, em edição da Nova Fronteira traduzida por Clarice Lispector.

Lida em mais de 100 idiomas, Agatha Christie morreu em janeiro de 1976, meses após a publicação de seu último livro em vida, justamente "Cai o Pano". Os leitores lamentaram a morte de Hercule Poirot e, logo em seguida, de sua criadora. Ambos eram celebridades, e a perda não foi sentida apenas pelos fãs: o New York Times publicou o obituário do detetive belga na primeira página, com direito a foto. 





terça-feira, 27 de dezembro de 2016

O fantástico nas serras mineiras

Rara edição de 1965 reúne 20 contos do autor mineiro



Elementos da literatura fantástica ja se manifestavam no Brasil no fim da década de 1940, quando Murilo Rubião começou a ter sua obra publicada. O autor não esconde a influência e sua admiração por Machado de Assis, de quem, inclusive, chega a usar como epígrafe um trecho de "Memórias póstumas de Brás Cubas", livre inspiração também para o conto "Memórias do contabilista Pedro Inácio" (não está nessa antologia).

Epígrafes, aliás, antecedem os contos do autor. A maior parte das citações é extraída da bíblia, embora Murilo Rubião tenha declarado em entrevista que a religião católica "mais tarde não me convenceu". Tornou-se agnóstico.

Muito breves, os contos têm como cenário predominante as serras e pequenas cidades da Minas Gerais natal do autor. À paisagem campestre mesclam-se elementos presentes nas obras de Franz Kafka, não apenas na narrativa de situações desconcertantes que envolvem seus personagens como também na transformação de seres humanos em animais, e a metamorfose desses em diferentes espécies.

Tive a sorte de adquirir o volume que ilustra esta nota do escritor, amigo e bibliófilo Oswaldo de Camargo. É uma edição rara, mas a Companhia das Letras lançou este ano uma "Obra Completa" em comemoração ao centenário de nascimento do autor. Vale muito a leitura.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Uma saga emocionante

The RoadThe Road by Cormac McCarthy
My rating: 5 of 5 stars

Um homem, um menino. Sem nomes, sem sobrenatural, sem zumbis. Apenas um pai e seu filho em uma jornada em um cenário pós-apocalíptico, sempre à beira da inanição, permanentemente fugindo da mesma ameaça: outros sobreviventes. Um relato tenso, diálogos tão secos quanto emocionantes, trocas breves de palavras, mas de significado profundo. Excelente leitura.


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Morte, tabu e fascínio

domingo, 11 de dezembro de 2016

Crenças e descrenças

Leitura rápida, divertida. E que faz pensar

Deuses dependem de pessoas que acreditem neles. Essa é a essência de "Pequenos Deuses", obra que com muito humor questiona as motivações das crenças da pessoas, como elas podem ser manipuladas e o que move as religiões (algumas, todas?). Leitura rápida, divertida e capaz de despertar muitas reflexões, desde que o leitor esteja aberto a questionamentos.


sábado, 3 de dezembro de 2016

Gótico de primeira

Autora é mestre no gênero de fazer medo

Shirley Jackson prova em We Have Always Lived in the Castle que é possível construir uma boa narrativa de horror sem recorrer a criaturas sobrenaturais, possessões demoníacas ou casas mal-assombradas. Os três “sobreviventes” dos Blackwood vivem isolados num casarão retirado, hostilizados por toda uma comunidade por conta de um crime que vitimou a maior parte da família.

Não há barulhos noturnos de correntes sendo arrastadas ou sussurros atrás das paredes. A autora vai construindo uma história de psicopatia e loucura. O leitor vai sendo cuidadosamente levado a concluir uma verdade dura demais para ser aceita, mas que se confirma a crua solução do mistério no desfecho da história.

We Have Always Lived in the Castle não está disponível em português, mas vale o esforço de leitura mesmo para quem tem pouca familiaridade com o inglês. Trata-se de uma obra impecável para quem aprecia uma boa narrativa do gênero. Shirley Jackson (1916 – 1965) é a autora de A casa amaldiçoada, levada ao menos duas vezes às telas do cinema e inspiradora de várias obras similares.

Curiosidade (spoiler muito leve): difícil deixar de pensar que a leitura de We Have Always Lived in the Castle não tenha influenciado os roteiristas que criaram Hannah McKay, a viúva negra do seriado de TV Dexter.


terça-feira, 15 de novembro de 2016

Melancólico, e real

A versão audiolivro é resultado do trabalho de voluntários
Não conheço Fernando Miramontes, mas tive sua companhia por ao menos sete horas e meia, como locutor de "Triste Fim de Policarpo Quaresma", romance pré-modernista de Lima Barreto que ouvi na forma de audiolivro entre idas e vindas de casa para o trabalho.

Miramontes e outras pessoas, em vários países, dedicam-se à gravação de obras literárias em domínio público. A iniciativa é da organização Librivox, projeto não-comercial, sem fins lucrativos, que coordena voluntários de diferentes idiomas. Um trabalho pouquíssimo conhecido, quase anônimo, mas que presta um benefício enorme à divulgação da cultura e entretenimento, por exemplo, de portadores de deficiência visual.

"Triste fim de Policarpo Quaresma" foi publicado sob a forma de folhetins em 1911, no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro. O romance narra na linguagem popular da época as iniciativas nacionalistas e quase ingênuas do personagem-título na sociedade carioca dos primeiros anos da Velha República.

Como característica na obra de Lima Barreto, uma história melancólica. E uma aula de Brasil.


domingo, 11 de setembro de 2016

Dinastia de mais de três séculos teve desfecho trágico

Em contraste com um império empobrecido, a família Romanov e a aristocracia da Rússia de um século atrás viviam em meio a uma opulência difícil de conceber. As primeiras cenas de The family Romanov - não há título em português - descrevem um baile em que os vestidos eram cobertos com tantos diamantes que as mulheres mal podiam se mover. Nas zonas rurais, mães faziam seus filhos dormir com cantigas cujas letras aceitavam a morte como um destino muitas vezes melhor para as crianças.

A autora Candice Fleming é bem-sucedida no cuidado de se manter imparcial ao relatar a vida e a morte da família do último czar da Rússia, destituído pela Revolução Bolchevique. The family Romanov é uma obra adotada nas escolas. Mas mesmo quando ela é apenas descritiva os dados chocam: a família desfrutava de dezenas de palácios, iates e até trens. Os Romanov viajavam durante o ano inteiro, mas em sua principal habitação - o Palácio de Inverno em Petrogrado - havia 500 empregados e praticamente um zoológico de animais de estimação, que incluía um elefante.

O livro é baseado em testemunhos - parte deles transcritos - como o do jornalista John Reed, autor de Os dez dias que abalaram o mundo. E contém erros de localização geográfica, resultado da desatenção da autora, que se localiza mal em relação a Leste e Oeste. Sua leitura, porém, nos apresenta a personagens intrigantes como Rasputin, reporta a eclosão da Primeira Guerra Mundial, a entrada da Rússia no conflito e revela didaticamente a escalada da insatisfação do povo com seu imperador.

Mostra, também, a total inabilidade de Nicolau II em lidar com a revolução que se anunciava. A ponto de sua Guarda Imperial abrir fogo contra uma multidão que pretendia entregar uma petição ao imperador em seu palácio, ostentando ícones religiosos e cantando hinos em homenagem ao czar. O episódio em 9 de janeiro de 1905 resultou na morte de centenas de pessoas, e ficou conhecido como Domingo Sangrento.

A admiração por Nicolau II começou a fraquejar, juntando-se aos fracassos militares na guerra, a enorme perda de vidas e o aumento acelerado na penúria do povo. A insatisfação popular foi o combustível da Revolução. O czar acabou sendo obrigado a abdicar. Sua família vai perdendo privilégios até terminar em uma casa-prisão na Sibéria.

A dinastia Romanov não conhecia outro modo de vida há séculos. Ainda assim, Nicolau, sua esposa Alexandra, as quatro filhas e o filho foram se adaptando às privações até o trágico desfecho. As meninas mantinham seu espirito jovial e comunicativo mesmo em meio a um ambiente cada vez mais hostil. O que só torna a crua descrição de Candice Fleming, baseada no que foi registrado pelas testemunhas na ocasião, ainda mais chocante.

The family Romanov é um excelente resumo dos episódios históricos que antecederam o fim do czarismo e a Revolução Bolchevique. E um relato dramático da extinção de uma família. 

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

E se o executado for inocente?

No Rest for the Dead No Rest for the Dead by Andrew Gulli
My rating: 3 of 5 stars

A fórmula já havia sido usada antes, ao menos uma vez em um romance policial. Em 1932, Agatha Christie e outros 12 integrantes do Detenction Club se juntaram para escrever "A morte do almirante". Em 2011, 26 autores escreveram "No rest for the dead". É um bom romance policial, com passagens muito boas, outras de fraca verossimilhança e um final mais ou menos surpreendente.
O trecho mais contundente é a descrição realista da execução de uma mulher acusada de assassinato. Ela é mãe de dois filhos e nega o crime até os momentos finais, dramáticos. Se ela é culpada pela morte do marido ou não, é uma dúvida que o leitor só vai esclarecer no final. Mas a leitura deve provocar questionamentos até no mais convicto defensor da pena de morte.

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sábado, 20 de agosto de 2016

A antologia reúne 22 contos escolhidos pelo autor


Trinta anos da obra do autor britânico são cobertos pela antologia Man in his time: the best science fiction stories of Brian W. Aldiss, que reúne 22 contos escolhidos pelo próprio escritor. A seleção cobre vários temas visitados por Aldiss, da ciência presente ao futuro, distopias, alienígenas e até um toque de humor.

A qualidade das tramas é desigual, a começar de Super-toys las all summer long, conto que Stanley Kubrick programou fazer mas foi executado por Steven Spielberg. O filme Inteligência artificial é melhor do que o texto.

Entre outras narrativas, gostei de All the World's Tears, mas minha história preferida nessa antologia é Last orders. Divertidíssimo, o conto acompanha um policial encarregado de evacuar uma cidade - Londres? - diante da iminência do fim do planeta Terra, que será atingida por um fragmento desprendido da Lua. Encontra um casal bebendo tranquilamente em um bar, e a urgente retirada é a todo momento adiada em um diálogo intercalado por "mais uma dose".

Curiosamente, Arthur Dent e o alienígena Ford Prefect, de Guia do mochileiro das galáxias, dedicam os últimos minutos de sua permanência na Terra - antes de sua destruição - em um pub. A famosa obra de Douglas Adams foi veiculada primeiro como série transmitida pela rádio BBC 4, em 1978. No ano seguinte, foi publicada como livro, transformado em filme em 2005. O conto Last orders foi publicado em 1977.

Minha opção por conhecer a antologia por audiolivro não foi muito boa: a dicção, clareza, entonação e ritmo do narrador Arthur Blake não são dos melhores. Há suspiros no meio da leitura, vazamento de ruídos de páginas viradas e até de Blake engolindo.

sábado, 6 de agosto de 2016

Estímulo à criatividade

Leitura rápida e saborosa; e tem em português

Ray Bradbury transformou praticamente cada episódio de sua vida em um conto, romance, peça teatral ou roteiro. O resultado são dezenas de obras, com destaque para Fahrenheit 451, narrativa de um futuro distópico em que os livros foram banidos por estimular o pensamento crítico nos leitores. A obra foi levada ao cinema por François Truffaut.

Zen e a arte da escrita reúne ensaios em que o autor norte-americano fala de sua rotina de escritor desde a adolescência, de como transformava listas de palavras, acontecimentos banais, amores e ódios em ficção. Bradbury escreveu muito, principalmente ficção científica, mas era um artista versátil. Foi convidado por John Huston para escrever o roteiro da adaptação para o cinema do clássico Moby Dick, de Herman Melville.

Essa coleção de ensaios sobre criatividade é uma leitura rápida e saborosa, como a maior parte dos contos de Bradbury. E fazem pensar um bocado, como alguns títulos de sua obra. O risco desse estímulo ao pensamento crítico é o desejo de transformar experiências e ideias em textos.

Justamente o medo dos regimes fundamentalistas e totalitários que acabam preferindo resolver o “problema” pelo fogo, a 451 graus Fahrenheit.

sábado, 30 de julho de 2016

Retrato de um Brasil que pouco muda

A Lei Áurea e a República nada significaram na vida de Lima Barreto

A vida bateu forte em Lima Barreto. O autor nasceu em 13 de maio de 1881, ironicamente exatos sete anos antes da Lei Áurea, que, ao menos no papel, decretou o fim da escravidão. Em 15 de novembro de 1889, quando ele tinha oito anos e meio de idade, foi proclamada a República.

Nem uma mudança nem outra alteraram em nada a vida de pessoas como Lima Barreto, descendente de escravos. A monarquia acabou, mas não os privilégios da aristocracia, nem o preconceito contra negros e mulatos, que acompanhou toda breve vida do autor, que chegou a pensar em suicídio aos 15 anos de idade.

A perda prematura da mãe para a tuberculose e do pai para a loucura obrigaram Lima Barreto a abandonar a faculdade a fim de sustentar a família. As portas de fecham, as humilhações se sucedem, e o autor vai buscar conforto na boemia e no álcool.

Lima Barreto começa a trabalhar em redações de jornais, revistas, publicações acadêmicas e anarquistas. Sua principal e mais conhecida obra –Triste fim de Policarpo Quaresma – chegou ao mercado sob a forma de folhetins publicados no Jornal do Commercio.

Mas a vida desregrada acaba levando-o a sucessivas internações no Hospício Nacional dos Alienados, no Rio de Janeiro. É o "cemitério dos vivos" que dá titulo à obra, referência a uma localidade na China que teria sido reportada por um diplomata ocidental. Nela, portadores de hanseníase (lepra) eram deixados para sobreviver da maneira que pudessem.

O relato que Lima Barreto faz através do personagem-narrador Vicente Mascarenhas é dolorido. O ambiente de decadência física e mental mescla alcoólatras, epiléticos, doentes de fato e por “opção” – assassinos de esposas e companheiras que por conveniência se passam por “loucos”.

O autor faz o retrato triste de pessoas e situações, homens, mulheres e crianças, médicos e funcionários que vivem à margem do mundo dos "normais". Ele é mais um “louco”, mas está atento a registra tudo com sua prosa de vanguarda e contestadora para a época.

Lima Barreto morreu em casa em 1922, aos 41 anos, de um ataque do coração. O Cemitério dos Vivos foi publicado em 1919 e está em domínio público. Ainda que fosse preciso pagar, a leitura desse romance pré-modenista é necessária para entender o Brasil. Sendo gratuita, é obrigatória.



sexta-feira, 22 de julho de 2016

O maior escritor da história

O último lançamento do autor

O autor mais publicado da história completa 70 anos hoje. Filho de um português com uma japonesa, José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue formou-se em medicina pela USP em 1970. Dezesseis anos depois, abandonou a profissão para se tornar o escritor mais fecundo, reconhecido pelo Guiness Book of Records.

É possível que você nunca tenha ouvido falar dele. Praticamente todas as suas obras foram livros de bolso publicados sob 39 pseudônimos; uma exigência dos editores. Perto de completar mil títulos, partiu para romances assinados como Ryoki Inoue, como se tornou conhecido - e reconhecido. Calcula-se que 1.086 de seus trabalhos foram publicados nesses 30 anos de atividade literária.

Você pode até argumentar que livros de bolso não são propriamente literatura. Mas separe um tempo para ouvir a entrevista de Ryoki Inoue no Ghost Writer, excelente podcast de literatura (infelizmente hoje pausado). Você vai se convencer de que ele é o autor que muito escritor gostaria de ser.

sábado, 16 de julho de 2016

Crime, culpa e castigo

O livro tem uma bela - e muito adequada - edição
Um livro todo negro, um título que remete à ausência de luz e quatro contos que falam sobre crime e culpa. Um pacote bem feitinho para os fãs de Stephen King, mas vale saber que de sobrenatural essa obra tem pouco, e esse pouco é justamente a narrativa mais fraca de Escuridão total sem estrelas

O melhor conto é o primeiro, 1922. O título se refere à data em que se passam os episódios envolvendo uma família de agricultores - mãe, pai e filho. O cenário é  uma propriedade rural que a mulher deseja deixar para trás, à revelia de seu marido, que acaba levando o filho à cumplicidade em um plano criminoso.

O que se desenrola é um crescendo de alucinação e culpa, que resulta em uma espiral de mais crimes e remorso. King sugere o sobrenatural, mas o horror está no mundo real, no interior da mente dos personagens.

Gigante do volante também é um bom conto, mas o autor cai no seu defeito de se enrolar um pouco na narrativa. Perdendo fluidez em alguns momentos, a leitura ainda assim se segura porque King consegue manter a expectativa pelo que virá a seguir. Como os personagens vão agir, quais serão as transformações no comportamento das pessoas. E, claro, o leitor se pega pensando no que faria no lugar dos envolvidos na trama.

A narrativa de vingança resvala um tanto para o inverossímil, mas funciona. King só abusa do cacoete de contrapor, com algumas palavras após o que seria o ponto final, o que acaba de afirmar nas últimas linhas. É um recurso de estilo que torna o texto um tanto chato e previsível. Você sabe que ao final de quase todo parágrafo ele vem com esse contraponto.

Extensão justa é o conto mais curto, o único de conteúdo sobrenatural e destoa do livro. Não chega a comprometer muito a experiência da leitura, uma vez que também é a narrativa mais curta. Mas é um conto que qualquer fã bem treinado do autor poderia ter escrito.

Em Um bom casamento King também não recorre ao sobrenatural e volta ao tema de violência contra a mulher. No posfácio do livro, o autor fala de onde tirou inspiração para os quatro contos, esse último deles praticamente a reprodução de um caso real. King faz uma crítica nada velada que poderia muito bem ter sido inspirada nos recentes fatos ocorridos no brasil, em que a mulher é a primeira suspeita de uma violência que sofreu. Mas o autor está falando de seu próprio pais, os Estados Unidos, e o livro foi lançado em 2009.

Escuridão total sem estrelas tem 390 página e tradução de Viviane Diniz. Foi lançado em edição muito bem feita da Suma de Letras: o título é impresso em verniz cinza-escuro sobre a capa preta, mesma cor das lombadas. Nada mais apropriado ao autor e ao título do livro.

domingo, 3 de julho de 2016

Poderia ser divertido

O conteúdo não entrega o que o título sugere
Marcado pela doença seguida de morte da mãe, o autor se refugia na adolescência no universo dos RPGs, ou jogos de representação. Já adulto, torna-se jornalista, escritor e poeta, mas não deixa para trás a dúvida se jogos do gênero seriam ou não uma forma de escapismo. E, já aos quarenta, parte para uma jornada de investigação que resulta em "Tudo que um geek deve saber". Participa de encontros que envolvem centenas de pessoas em fantasias e simulações, visita um castelo em construção, entrevista jogadores de videogames com milhões de jogadores, viaja à Nova Zelândia para conhecer os locais em que "O senhor dos anéis" foi filmado.

Assim como o próprio Ethan Gilsdorf, fica a impressão de que muitos dos jogadores são ou viciados ou apenas pessoas tristes, refugiadas em mundos de fantasia. A maior parte apenas de diverte, menos o leitor, que encara um livro chato. Pelo ambiente que se encontra em convenções de fantasia, HQs e ficção cientifica, com pessoas usando fantasias de heróis e personagens de fictícios, poderia ser um texto bem divertido. Mas é apenas desnecessariamente longo e repetitivo.

sábado, 2 de julho de 2016

Murphy é desconcertante

Humor negro tempera o romance do irlandês Samuel Beckett
Sem roupa, amarrado a uma cadeira de balanço, em busca da privação de sensações no interior de um pombal condenado. É assim que o leitor é recebido por Murphy, personagem-título do romance de Samuel Beckett. Desconcertante desde as primeiras linhas, o livro lançado em 1938 é uma boa porta de entrada para o fascinante universo literário do autor irlandês que se tornou mais conhecido pela peça Esperando Godot.

Sua obra, porém, vai muito além da dramaturgia, e Murphy é uma ótima mostra disso. A narrativa breve - o livro tem apenas 256 páginas na edição da Cosac Naify -, mas densa, retrata a vida do personagem-título, sua amante Celia e de um grupo de amigos em suas andanças e diálogos por Londres.

O texto nada convencional mescla erudição, jogos de palavras e muitas referências a filósofos, escritores e mesmo passagens da Bíblia. Beckett brinca com a atenção do leitor, com nomes de personagens clássicos - Romieta e Julieu - e com o som de palavras, como ex-mordomo, que soa algo como cerveja extra forte. Associação nada sutil com a Irlanda, terra de marcas como a Guinness.

Celia, uma prostituta, insiste para que Murphy consiga um trabalho. Ele acaba se empregando como auxiliar de enfermagem em um manicômio, onde rapidamente cria forte empatia com os internos. A crítica ao tratamento dispensado aos doentes é pouco velada, mas mesmo em meio a um ambiente de alienação mental, Beckett encontra espaço para toques de humor negro, como o homem que planeja o suicídio prendendo a respiração.

Murphy tem tradução e notas de Fábio de Souza Andrade. Essas notas ajudam - e muito - na compreensão do texto, que, pouco convencional, é um desafio e um estímulo à atenção do leitor. Só é preciso atentar para o fato de que elas estão reunidas no fim do livro, sem que as palavras, nomes e trechos a que fazem referência tenham qualquer destaque no texto.

Gravei uma conversa de 20 minutos sobre Beckett e Murphy com Bruno Andrade, estudante de Artes e fã do autor: podcast

domingo, 5 de junho de 2016

Review: Lost At Sea: The Jon Ronson Mysteries

Lost At Sea: The Jon Ronson Mysteries Lost At Sea: The Jon Ronson Mysteries by Jon Ronson
My rating: 5 of 5 stars

O jornalista e escritor britânico Jon Ronson oferece um olhar diferente sobre pessoas e suas histórias em Lost at Sea: The Jon Ronson Mysteries, ainda sem tradução para o Brasil. O livro traz várias reportagens que abordam temas no estilo gonzo, em que autor vai investigando, entrevistando e torna-se quase um personagem da trama.
Em seus 28 capítulos, o livro traz relatos intrigantes e surpreendentes. A história de uma médium charlatã, o pintor que assinou obras feitas por sua esposa durante décadas, a fraude em um programa do tipo “quem quer ser um milionário”, o suspeito desaparecimento de uma moça durante um cruzeiro da Disney e a narrativa sobre o músico e empresário do show business Jonathan King, preso por conta de várias acusações de abuso sexual infantil, são apenas alguns dos temas fascinantes contados com talento por Ronson.
O mais conhecido dos seis livros do autor é Os homens que encaravam cabras, lançado como filme em 2009 com Ewan McGregor e George Clooney no elenco. O livro, ao lado de O teste do psicopata, foi lançado no Brasil. Mas a obra de Jon Ronson vai além dos textos impressos. Stanley Kubrick's Boxes é um documentário dirigido pelo autor que deve ser visto por todo admirador do cineasta e sua obra.



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Review: The Castle of Otranto

The Castle of Otranto The Castle of Otranto by Horace Walpole
My rating: 5 of 5 stars

Um Romeu e Julieta com fantasmas, aparições, passagens secretas, histórias obscuras e morte. Onde o gótico começou!

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sexta-feira, 3 de junho de 2016

Terror real

Mergulho em águas subterrâneas, em busca da caverna mais profunda

Muita gente não gosta do escuro. A ideia de estar em lugares apertados é desconfortável para outros. Acrescente o fato de que sua respiração depende de um aparelho, um protótipo que pode falhar. Junte tudo à realidade de estar nadando em uma área alagada, sob a terra, sem saber ao certo o que vai encontrar pela frente. Uma saída ou um salão fechado.

Apavorante? Essa é a realidade enfrentada por exploradores de cavernas, especialmente os que elegem as supercavernas como objetivo de suas pesquisas. Ou conquistas. É também o tema de Blind descent - The quest to discover the deepest place on Earth, livro que beira o incrível de James M. Tabor, escritor e também praticamente de aventuras extremas.

Tabor coloca o leitor em cada situação que um espeleólogo - explorador de caverna - tem de enfrentar: a escuridão permanente, descidas por paredões sob água fria, mergulhos em canais subterrâneos, arrastar-se por túneis apertados. A descrição é precisa, pois o autor viveu várias dessas situações. Me senti tenso com frequência durante a leitura, talvez porque durante alguns anos vivi a emoção de passar horas dentro de cavernas no vale do Ribeira (SP).

Mas nunca cheguei perto dos desafios enfrentados pelos personagens de Blind descent, cuja meta é atingir o ponto mais profundo do planeta Terra. Tabor descreve uma história similar à de Scott e Amundsen, na corrida para quem chegava primeiro ao Pólo Sul do planeta, no começo do século passado. No livro, em lugar de um inglês contra um norueguês, é uma equipe norte-americana contra ucranianos. Uns exploram a caverna Cheve, no México, outros Krubera, na Geórgia.

A narrativa cobre um longo período, até o desfecho, em 2004. E é eletrizante. Pena que nenhuma editora brasileira tenha descoberto o potencial dessa aventura, disponível para ler - ou ouvir - em inglês.

domingo, 29 de maio de 2016

Leitura de férias

Duas caras bem conhecidas do público nerd


Até entre as pessoas que não gostam de livros e leitura, Sherlock Holmes é um nome e uma imagem: o detetive sabichão, de cachimbo na boca e o amigo e auxiliar que vivia ouvindo a afirmação pouco modesta: “Elementar, meu caro Watson!”.

O fato é que o médico e companheiro John Watson – narrador das aventuras de Holmes - jamais ouviu essa frase, que se tornou tão popular quanto o detetive. Não importa: ao resolver cada caso com seu método de observação e dedução, o detetive sempre fazia quem estava acompanhando as investigações se sentir “menos”.

Afinal, a solução sempre era óbvia, desde o princípio; testemunhas, Watson e a própria Scotland Yard é que não enxergavam. Elementar.

Arthur Conan Doyle criou Sherlock Holmes no fim do século 19, e o detetive protagonizou romances e aventuras por décadas. Algumas resvalaram pelas fronteiras do sobrenatural, como a ótima O Cão dos Baskervilles.

Mas alguma coisa tornou-se quase repetitiva, como este As aventuras de Sherlock Holmes que me acompanhou em minhas últimas férias. O detetive sempre solicita a presença de Watson com o mesmo argumento, sempre resolve o mistério, mas nem sempre a trama é criativa.

Exceção nesse livro de 12 contos é Um escândalo na Boêmia. A narrativa é curta, mas cria e sustenta a intriga. Vale a leitura e depois conferir a versão produzida pela britânica BBC na série  Sherlock. A dupla principal é interpretada por Benedict Cumberbatch e Martin Freeman. 

Holmes não é nem um grau menos arrogante nesta adaptação – uma de muitas feitas para o teatro, cinema e TV -, mas a interpretação do personagem e sua interação com o “doutor Watson” é impagável.

Desafio moleza para nerds: Cumberbatch e Freeman têm algo em comum na obra de outro inglês famosíssimo. Essa é mais fácil que resolver um dos mistérios de Sherlock Holms.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

"O cão é que morreu"

A obra foi adaptada três vezes para o cinema

O texto de Somerset Maugham é fluido e elegante. Adultério, mentiras, falsidade e amores frustrados cercam os personagens principais. As fortes emoções que envolvem Kitty Fane são descritas com apuro, e fazem do leitor um refém da angústia que afeta não só a protagonista da trama, mas todos que estão ao seu redor.

Em meio a decisões extremas e uma epidemia de cólera que dizima a população na China rural, a bondade – segundo o autor – parece sobreviver apenas em um convento de devotadas freiras que cuidam dos pobres chineses doentes.

O véu pintado é uma história de arrependimento, com passagens de folhetim que justificam o fato de ter sido adaptada três vezes para o cinema. Como pano de fundo para o drama, valem as descrições vívidas que o autor faz da paisagem e das pessoas. Já um escritor de sucesso, Maugham pôde viajar para o oriente, no momento em que o Império Britânico dominava a Índia e várias regiões da China, como Hong Kong. É lá que a trama começa, temperada com sexo de uma maneira que chocava a sociedade de 90 anos atrás, quando o livro foi lançado.

O véu pintado vale a leitura, especialmente para quem aprecia um bom drama. Mas está longe de ser a melhor obra do autor. Atente para a citação “The dog it was that died”, colocada com talento na boca de um personagem em um momento trágico. O melhor momento do livro.


Para quem optar pelo audiolivro, a narração de Sophie Ward é impecável. 

sábado, 23 de abril de 2016

Fundação me conquistou

Surge a primeira mulher na trama

Não havia ficado muito impressionado com “Fundação”, o primeiro título da festejada trilogia de Isaac Asimov. Terminei a leitura com uma sensação de confusão, sentindo saudades dos dilemas sobre inteligência artificial apresentados nos contos do autor sobre robôs.

Mas gostei de “Fundação e Império”, onde a trama político-social que envolve a galáxia ganha corpo e sentido. As forças se movimentaram e o poder está em jogo, uma disputa que motiva à leitura do terceiro volume, “Segunda Fundação”.


Sim, e em “Fundação e Império” finalmente surge uma mulher, e ela tem um papel decisivo na trama. Mas ainda é preciso que ela cumpra tarefas domiciliares. Asimov previu muita coisa, mas ao contrário de seu profeta científico Hari Seldon, foi humanamente incapaz de antever todo o futuro.

domingo, 10 de abril de 2016

"Os miseráveis" vale cada minuto do seu tempo

A última adaptação da obra de Victor Hugo para o cinema
Um inverno rigoroso compromete o acesso de um francês a seu único trabalho, o de podar árvores. O desespero para alimentar a irmã viúva, mãe de sete filhos, o leva a roubar um pão. O homem é pego, e condenado a cinco anos de trabalhos forçados. Começa aí a sina de Jean Valjean e de seu antagonista Javert, o implacável representante da lei em um estado onde o abismo social é cultivado pela indiferença das classes dominantes.

Os miseráveis é um obra grandiosa, no tamanho físico e em sua amplitude. Victor Hugo dedicou mais de dez anos de sua vida à sua realização, o que resultou o retrato de um sistema carcerário desumano em meio a uma França em ebulição social e política. Publicado há exatos 154 anos – com lançamento simultâneo no Brasil –, o livro chega a ter mais de duas mil páginas em algumas edições. Destaque para a tradução de Frederico Ozanam Pessoa de Barros feita para a editora Cosac & Naify em 2012, com mais de 800 notas de rodapé que localizam o leitor ao apresentar personagens históricos, lugares e episódios que serviram como referência para o autor.

E por que ler um livro que vai tomar ao menos três meses de sua vida, quando há dezenas de versões no cinema e impressas de forma condensadas? Porque o livro original extrapola totalmente a mera sensação passada pelas mídias, digamos, mais populares, de ser uma obra de aventura, a luta do bem contra o mal temperada com alguma crítica sobre as injustiças sociais. Os miseráveis contém tudo isso, e até momentos de pura comédia, mas também é uma portentosa aula de história que permite compreender muitos dos conflitos enfrentados até hoje pela sociedade humana.

Os dilemas de Jean Valjean têm como pano de fundo as convulsões sociais e políticas da França no século 19, quando Paris abrigava uma enorme população marginalizada, assolada pela pobreza e uma epidemia de cólera. O autor oferece até uma extensa descrição dos esgotos da capital francesa. Por que isso? É um dos motivos que valem cada minuto dedicado à leitura dessa obra.

Victor Hugo investiu um bom tempo na região de Waterloo, onde o exército de Napoleão sofreu uma derrota decisiva para a França Imperial. Suas descrições para essa batalha e, mais tarde, as barricadas nas ruas de Paris, nada ficam a dever aos textos dos melhores correspondentes de guerra. O leitor é colocado em meio à angústia de soldados e generais.

Mesmo após cumprir sua pena, Jean Valjean é rejeitado pela sociedade. Muda de nome e consegue tornar-se um industrial muito bem sucedido, que oferece emprego e prosperidade para uma cidade inteira. É quando toma para si a responsabilidade pelo destino da filha de uma mãe solteira levada a se prostituir para garantir o sustento da menina. Origem da trama romântica de Os miseráveis, Fantine e Cosette retratam a extrema vulnerabilidade da mulher naquela sociedade.

Nada incomoda nessa obra? Sim, e não são as extensas reflexões de Victor Hugo sobre o momento político e social. Me arrisco levantando um questionamento em um clássico da literatura mundial, mas há momentos em que o autor lembra o roteirista de uma novela de TV, e coloca personagens exatamente no lugar em que ouvem uma conversa que “explica tudo”, ou promove encontros improváveis em uma cidade que já abrigava quase 800 mil habitantes.

Essas “coincidências” se repetem muitas vezes e, claro, ajudam a desenvolver a trama. Era um recurso comum a autores da época, como Alexandre Dumas, em que romances históricos como Os três mosqueteiros eram publicados como folhetins nos jornais. Não tira o menor brilho da obra de Victor Hugo, mas fica registrada a curiosidade.


Vale a leitura? Não pense duas vezes. Serão três meses inesquecíveis de sua vida de leitor.