sábado, 2 de julho de 2016

Murphy é desconcertante

Humor negro tempera o romance do irlandês Samuel Beckett
Sem roupa, amarrado a uma cadeira de balanço, em busca da privação de sensações no interior de um pombal condenado. É assim que o leitor é recebido por Murphy, personagem-título do romance de Samuel Beckett. Desconcertante desde as primeiras linhas, o livro lançado em 1938 é uma boa porta de entrada para o fascinante universo literário do autor irlandês que se tornou mais conhecido pela peça Esperando Godot.

Sua obra, porém, vai muito além da dramaturgia, e Murphy é uma ótima mostra disso. A narrativa breve - o livro tem apenas 256 páginas na edição da Cosac Naify -, mas densa, retrata a vida do personagem-título, sua amante Celia e de um grupo de amigos em suas andanças e diálogos por Londres.

O texto nada convencional mescla erudição, jogos de palavras e muitas referências a filósofos, escritores e mesmo passagens da Bíblia. Beckett brinca com a atenção do leitor, com nomes de personagens clássicos - Romieta e Julieu - e com o som de palavras, como ex-mordomo, que soa algo como cerveja extra forte. Associação nada sutil com a Irlanda, terra de marcas como a Guinness.

Celia, uma prostituta, insiste para que Murphy consiga um trabalho. Ele acaba se empregando como auxiliar de enfermagem em um manicômio, onde rapidamente cria forte empatia com os internos. A crítica ao tratamento dispensado aos doentes é pouco velada, mas mesmo em meio a um ambiente de alienação mental, Beckett encontra espaço para toques de humor negro, como o homem que planeja o suicídio prendendo a respiração.

Murphy tem tradução e notas de Fábio de Souza Andrade. Essas notas ajudam - e muito - na compreensão do texto, que, pouco convencional, é um desafio e um estímulo à atenção do leitor. Só é preciso atentar para o fato de que elas estão reunidas no fim do livro, sem que as palavras, nomes e trechos a que fazem referência tenham qualquer destaque no texto.

Gravei uma conversa de 20 minutos sobre Beckett e Murphy com Bruno Andrade, estudante de Artes e fã do autor: podcast

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