domingo, 24 de maio de 2015

O sombrio rei de amarelo

A leitura do texto da peça leva as pessoas à loucura

Uma das piores coisas que podem ocorrer a uma obra de arte é o esquecimento. As editoras podem deixar de investir em novas edições de um título, os lançamentos se sucedem e o livro perde espaço nas estantes mais visíveis das livrarias. Ao longo de décadas, ele desaparece, ou fica limitado a círculos restritos de leitores. Até que um "acaso" o resgata. Foi o que aconteceu com O rei de amarelo, do norte-americano Robert W. Chambers, lançado em 1895 e citado na festejada série de TV True detective.

O livro foi lançado no Brasil há um ano pela Intrínseca, com tradução de Edmundo Barreiros e ótima introdução de Carlos Orsi. O rei de amarelo na verdade é uma peça teatral cuja leitura leva as pessoas à loucura. Qualquer semelhança com o Necromicon, de H. P. Lovecraft não é merca coincidência: o escritor de Providence leu Chambers. Sua influência é reconhecida também por Raymond Chandler a Neil Gaiman, passando pelo onipresente Stephen King. Chambers, por sua vez, toma emprestado vários nomes e termos criados pelo escritor Ambrose Bierce.

O rei de amarelo é um "personagem" dos primeiros contos do livro, tramas distintas mas interligadas ao menos pela citação da obra maldita. As narrativas transitam entre o gótico, o fantástico, o romance e a ficção científica, numa intrigante atmosfera de mistério e viagens oníricas. O primeiro conto envolve um sr. Wilde, que remete diretamente a Oscar Wilde, como um "reparador de reputações".

Já na que pode ser considerada a segunda parte do livro, Chambers inspira-se livremente em seu passado como pintor de quadros, e ambienta suas narrativas em Paris, particularmente no Quartier Latin povoado de estrangeiros estudantes de arte. A vida libertina e amores impossíveis são tema recorrente, com um leve toque de fantasia e a influência da pintura: há momentos em que o autor "pinta" cenas em seus textos.

Esses contos também são interligados, com várias e repetidas referências internas. Em "A rua da primeira bomba", Chambers envolve o leitor na angústia de uma Paris sob cerco do exército da Prússia e no desespero de um personagem que se lança ao front de batalha.

Chambers morreu em 1933, rico e famoso por romances água-com-açúcar dos quais ninguém se lembra mais. Nem fazem falta. Mas a volta de O rei de amarelo para as prateleiras das livrarias é um verdadeiro prêmio para quem aprecia literatura fantástica.

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