domingo, 17 de maio de 2015

"Mais nojenta do que um purgante"

O autor gostava de balas e doces. Mas queria beber como os homens
Jack London é mais conhecido por Caninos brancos e O apelo da selva, obras que retratam parte das aventuras do autor na Corrida no Ouro, nos extremos gelados da América do Norte. Quem se dá ao trabalho de ler as poucas páginas - por vezes linhas - dedicadas a apresentar o autor nos livros, fica sabendo que London viveu pouco - 40 anos - e intensamente. Memórias alcoólicas é um relato em que fala de um personagem que o acompanha desde os 5 anos de idade, John Barleycorn. O "pé-de-cana", ou álcool.

É um livro em tom de confissão, em que o "poder social" das bebidas alcoólicas e dos ambientes e situações em que elas são consumidas são apresentados e comentados por London, que, curiosamente, afirma insistentemente não gostar das bebidas:  "O álcool tinha sido para mim ma coisa assás repugnante - mais nojenta do que um purgante. Até hoje não suporto o gosto."

Mas "a taverna era o lugar da congregação", onde London fazia amigos, arrumava trabalho, afirmava sua masculinidade, era aceito entre homens feitos, alimentava sua sede de aventura. E era ainda apenas um adolescente, que preferia correr secretamente para o quarto com um livro na mão e os bolsos cheios de "balas  de canhão", um puxa-puxa que podia durar uma hora.

Ainda criança, poucos anos antes do começo do século 20, Jack London trabalhava em fábricas insalubres, por longas jornadas de até 20 horas e salários minguados. Adolescente, voltou a enfrentar a mesma exploração como carvoeiro em uma empresa de eletricidade, fazendo o trabalho de dois homens por 29 dias seguidos, com um dia de folga por mês.

Em muitos momentos, John Barleycorn era uma fuga. A leitura de Memórias alcoólicas chega a cansar em alguns trechos com a repetição insistente desse nome. London se afasta da bebida por longos períodos, diz poder deixar de beber quando deseja, mas volta até uma fase melancólica de sua vida. Termina defendendo apaixonadamente a proibição do álcool, em discussão nos EUA na época. Isso justificou seu apoio ao direito das mulheres ao voto.

Autodidata, Jack London era dono de uma disciplina de ferro. Quando se determinou a viver de escrever, produzia religiosamente mil palavras por manhã. Escreveu muito, sobre suas aventuras, suas convicções políticas, prisões, sobre John Barleycorn, sobre o medo da morte. Até o dia em que ela levou a melhor.

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