O livro relata desconcertantes manifestações da mente humana |
Se ser "normal" já é tão difícil, um acidente ou disfunção mental pode tornar tudo muito complicado para o paciente e as pessoas que o cercam. Mas pode ser, também, que o paciente nem sequer tenha consciência de ser "diferente". E, afinal, o que é ser "normal"? Esse é o tema do neurologista inglês Oliver Sacks em O homem que confundiu sua mulher com um chapéu - e outras histórias clínicas. Lançado em 1985, o livro reúne 24 ensaios sobre casos de perda parcial ou total da memória e problemas mentais como o autismo.
Os casos são desconcertantes, como a da mulher de 27 anos e dois filhos que perdeu a consciência do próprio corpo: se estivesse sentada e fechasse os olhos, caía da cadeira. Só conseguia se mover com segurança se estivesse olhando para os pés ou para as mãos. Não tinha a capacidade de perceber o próprio corpo, sua localização no espaço, a posição de cada parte em relação às outras. Perdera a propriocepção.
Sem ser sensacionalista ou cair na armadilha do pieguismo, Sacks relata as histórias e tratamentos de pacientes que passaram por seu consultório. Como o caso da mulher de 89 anos que passou a viver uma euforia com a vida, e foi diagnosticada com "a doença do cupido", manifestação de sífilis neurológica contraída 60 anos antes. Ela pede para não ser curada, pois está feliz.
"Investigamos os problemas físicos e mentais de nossos pacientes, não os seus talentos", comenta o autor no caso da moça alienada criada pela avó. Após a morte de sua tutora, quando tudo poderia dar errado, a jovem já em tratamento se revela excelente atriz de teatro.
O neurologista e autor vive nos EUA há muitos anos. Além de grande médico e pesquisador, é excelente escritor; transforma as histórias clínicas não em curiosidades mórbidas, mas em relatos tocantes que, muitas vezes, questionam a própria ciência e instigam a reflexão. De sua vasta obra, li e recomendo muito também Um antropólogo em Marte, de 1995, que reúne mais casos clínicos extraordinários e contribui para demolir preconceitos. Você pode precisar confiar sua vida a um cirurgião, e gostaria que ele fosse um dos melhores, certo? E se soubesse que ele sofre de uma síndrome que o acomete de tiques mentais e físicos?
A obra de Sacks vem inspirando roteiristas e adaptações para o cinema. Tempo de despertar (1990), com Robin Williams e Robert De Niro, foi adaptado de seu livro lançado em 1997 que tem o mesmo título em português.
Oliver Sacks em foto de 2009 © Luigi Novi / Wikimedia Commons |
"Sinto-me intensamente vivo, e quero e espero, no tempo que me resta, aprofundar minhas amizades, dizer adeus aos que amo, escrever mais, viajar, se eu tiver forças, alcançar novos níveis de compreensão e entendimento."
Vale conferir a bela homenagem a Oliver Sacks feita por Maria Popova em seu site Brain Pickings.
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