sexta-feira, 24 de julho de 2015

Oblómov: ser ou não ser?

Ingênuo, preguiçoso, Oblómov põe sua inteligência a serviço do nada

Iliá Ilitch Oblómov nunca vestiu as próprias meias, mesmo após adulto e sendo saudável. Um servo fez isso por ele desde criança, na Rússia do século 19. Junte-se a essa servidão uma preguiça e falta de atitude diante da vida como poucas vezes retratada na literatura, e o resultado é Oblómov, romance de Ivan Gontcharóv publicado em 1859.

O livro saiu apenas dois anos antes do fim da servidão na Rússia Imperial. Por mais de 200 anos, vigorou um sistema em que camponeses "pertenciam" ao dono da terra. O nobre proprietário podia dispor de seus servos nos trabalhos da lavoura e domésticos; podia mesmo vendê-los junto com o latifúndio.

Iliá Ilitch Oblómov é um desses senhores, mas há muito mora em Petesburgo, vivendo da renda da propriedade herdada dos pais. Além de visitas eventuais de amigos - mais interessados em dinheiro e favores do que propriamente amizade -, tem apenas a companhia de Zakhar, fiel mas rabugento servo. A dupla, espécie de Dom Quixote e Sancho Pança, protagoniza sequências hilárias, o alívio cômico da obra. 

Zakhar passa as primeiras 150 páginas do romance de pouco mais de 700 tentando arrancar Oblómov da cama. A atitude de seu patrão muda pouco ao longo da obra (sim, ele sai da cama!), uma crítica de Gontcharóv ao decadente modelo de concentração de riquezas e terras em uma Rússia que precisa se modernizar.

Oblómov tem a sorte de contar com um amigo de infância, Stoltz, que se esforça a arrancá-lo do marasmo. Entre outros "empurrões", o apresenta a Olga, bela e meiga representante da nobreza russa. Descobrir as consequências desse encontro ficam por conta do seu prazer da leitura.

Em muitos momentos, o livro é pesaroso e melancólico como um russo sabe ser, mesclando a paisagem invernal de uma Petesburgo dividida pelo rio Neva congelado a passagens tristes vividas pelos personagens. Melancolia é um traço dessa obra. Em algum momento, cada um dos personagens é acometido pela angústia existencial.

Li Oblómov em uma bela edição da CosacNaify, com tradução direto do russo e texto introdutório de Rubens Figueiredo. O livro é encadernado em capa dura e traz páginas com estampas usadas pela aristocracia russa. Há ainda um posfácio de Renato Poggioli, crítico italiano especializado em literatura russa. 

Ivan Gontcharóv é um autor injustamente menos conhecido da literatura russa. Li Oblómov por indicação de Juliana Wallauer no Qual é a Boa? do Braincast 129, de 9 de outubro de 2014. Ouvi seu comentário e fiquei atraído pela obra. Não me arrependi.

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