quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Proust egoísta e manipulador

Obra revela a estranha maneira do autor se relacionar com as mulheres

Marcel Proust não poderia ter escolhido um título mais honesto para o quinto volume de seu Em busca do tempo perdido. Ao decidir levar sua paixão de férias Albertine para sua casa em Paris, o autor faz da moça uma cativa de luxo, sujeita a seus caprichos e devaneios.

Este texto contém informações sobre o desenrolar da narrativa que podem comprometer o prazer pela leitura desse livro. Por essa razão, se você prefere ser totalmente surpreendido antes de ler meus comentários, melhor voltar para cá depois.

A prisioneira nos traz um Proust egoísta e manipulador. Albertine, com quem cogita casar, é mantida em um quarto de sua casa, algo que não agrada sua mãe, que está ausente. A relação entre os dois é asfixiante, pois a moça só pode sair sob supervisão e aprovação de Marcel.

A questão do homossexualismo, muito presente no título anterior, Sodoma e Gomorra, é retomada e aprofundada neste livro. Envolve as angústias que o autor alimenta em relação a Albertine, e também um dos personagens recorrentes de Em busca do tempo perdido, o senhor de Charlus.

O barão acaba vítima de uma intriga que beira o grotesco. Em paralelo a uma apresentação musical encantadora de um septeto, o narrador relata uma conspiração cujo objetivo é humilhar e isolar o nobre. Esse, por sua vez, não se preocupa ao promover uma enorme desfeita à dona da casa, senhora respeitável na sociedade.

O desfecho é melancólico, um episódio - mais um na obra de Proust - que retrata o pior da aristocracia francesa. Há outros, como o desafio de desvirginar e depois abandonar moças ingênuas ou viver de favores.

O texto poético de Proust, porém, não falta às páginas de A prisioneira. O autor retoma suas memórias sensoriais, como a cena emblemática da madalena molhada no chá. As associações auditivas também estão sempre presentes nas reflexões, e a narrativa baseia-se muito na obra do compositor Vinteuil.

Há um momento delicioso no livro quando, deitado em sua cama, Proust fala das pessoas que passam pela ruas apregoando frutos do mar, vegetais frescos e produtos da estação, como se Paris tivesse sua própria música. Ao menos no bairro aristocrata habitado pela família do autor, onde o mercado vai até os moradores.

Embora compartilhe esses momentos poéticos, Albertine é mantida "presa" por ciúme. Proust deseja muito conhecer Veneza, e entende que a moça é um empecilho. Egoísta e manipulador, o autor se dá conta de nem sequer gostar mais dela, mas sofre com a suspeita de que a moça tenha tido amantes - homens e mulheres - no passado. E não tolera a ideia de uma traição, ou de vê-la com outras pessoas mesmo após uma separação.

Albertine é mantida sob vigilância, em um clima de paranóia que se torna ainda pior quando o autor acaba por ter certeza de que a moça mente a fim de se encontrar com outras pessoas. O episódio resulta em uma discussão nterço final do livro, em que Proust entra em conflito também consigo mesmo, sobre a conveniência de terminar o relacionamento, e quando tomar essa atitude. Deixa muito claro que quer isso, mas a decisão tem de ser sua.

Já na etapa de separação, nas páginas finais de A prisioneira, durante passeio com Albertine por Versailles, os dois ouvem um avião. O autor faz então considerações sobre o som que ouve com relação ao apito de um trem a dois quilômetros de distância. Curioso que, ao longo dos anos registrados por Proust em sua obra, vão surgindo o telefone, o automóvel e o avião, e o autor não deixa de falar algo sobre isso.

Deixo o desfecho de A prisioneira por conta de sua leitura. É um livro que desperta irritação por conta das atitudes do autor. Mas é um retrato fiel da alma humana, pintado com o talento de Marcel Proust.

Um comentário:

  1. Olá, você venderia esse exemplar de 'A Prisioneira'? É o que falta para a minha coleção :)

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